Características naturais

Texto produzido por Rafael Modesto


Os Solos

No caso da formação dos solos brasileiros, o clima é considerado o fator preponderante no processo, tendo em vista que o relevo do território nacional não sofrem alterações significativas desde o Cretáceo (CPRM, 2014). Esse período, que ocorreu entre 145 milhões e 66 milhões de anos atrás, caracterizou-se pela dominância dos dinossauros e por uma grande proliferação de espécies animais e vegetais, além de ter sido a era na qual a África e a América do Sul se separam devido à movimentação das placas tectônicas.

O tipo de solo de maior extensão no Brasil são os denominados latossolos, típicos de regiões tropicais úmidas. Estes solos são profundos, bem desenvolvidos e de coloração vermelha e amarela, devido a presença de óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio. Eles ocorrem em áreas planas ou de pouca declividade.

Na Terra Indígena Rio Silveira, a área mais próxima à Serra do Mar apresenta solo pouco profundo e de baixa espessura, devido a maior declividade do relevo. Este tipo de solo é chamado de cambissolo, (EMBRAPA, 2020) sendo definido pelo seu baixo grau de desenvolvimento, com grande concentração de matéria orgânica, o que os torna propícios para a agricultura ou para o desenvolvimento da vegetação. Na fotografia abaixo, tirada em um dos trabalhos de campo organizados pelo projeto, observa-se a retirada da mata pelos Guarani para a agricultura:

[FOTO]

Outro tipo de solo encontrado na aldeia é o espodossolo, associado a vegetação de restinga na linha de praia. Este é caracterizado como solo mineral arenoso, pouco férteis e de elevada acidez, ocorrendo em várias partes do litoral brasileiro e em algumas áreas no interior da Amazônia (EMBRAPA, 2020).


O Relevo

O relevo é percebido de acordo com as feições e formas assumidas pelo meio físico a partir de modificações produzidas por fatores naturais que atuam sobre a superfície terrestre. Uma parte desses fatores atua de maneira externa à superfície (também conhecidos como fatores exógenos), como é o caso de elementos clima: chuva, vento e radiação solar. Além disso, existem também os fatores que atuam abaixo da superfície terrestre, mas que influenciam a superfície. Esses fatores também são chamados de endógenos, como é o caso das movimentações internas do planeta, associadas às condições de temperatura e pressão, que provocam os vulcanismos e os terremotos. Tanto os fatores externos quanto internos modelam a paisagem da Terra.

O clima atua para o esculpimento e modelação do relevo, deteriorando formações rochosas a partir da chuva e dos ventos, fazendo circular água pelo sistema, que escava a superfície, definindo as características das formas do terreno com as redes de drenagem. Isto é, a distribuição dos cursos d’água que se deslocam para o mar. Os movimentos no interior da superfície terrestre dão origem a grandes cadeias de montanhas, causam terremotos e fraturas nas rochas, entre outros fenômenos de transformação do relevo.

No estado de Sào Paulo, predomina na paisagem o relevo de serras com presença de morros com características arredondas (mamemolares) e planicies costeiras. Esta estrutura geomorfológica foi denominada pelo geógrafo Aziz Ab’Sáber de “Mares de Morros” (Ab’Sáber, 2003). Conforme o mapa abaixo, este conjunto de relevo formado por rochas cristalinas (granitos e gnáisses) se estende por vastas áreas do território brasileiro, especialmente na zona costeira, mas também avança para o interior dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina.

[FOTO GIGANTE ADORMECIDO]

A Terra Indígena Rio Silveira localiza-se na faixa litorânea da zona costeira, entre a serra e o oceano Atlântico. A aldeia está assentada sobre as planícies da plataforma fluvial e marinha. Ou seja, em áreas planas formadas pelo acúmulo de sedimentos trazidos pelas marés e pelo Rio Guaratuba, que banha a aldeia. Além disso, parte da aldeia também está localizada na região serrana, onde se avista o Gigante Adormecido e também onde nascem as cachoeiras e os rios que atravessam a terra indígena Rio Silveira.


Clima e vegetação

O clima pode ser definido como o conjunto de estados atmosféricos habituais em um dado lugar ao longo de um período determinado. Um estado atmosférico se caracteriza por sofrer influências de diversos fenômenos e fatores naturais, como a movimentação das massas de ar, a umidade do ar, pluviosidade, precipitação em forma de chuva ou neve, a temperatura da atmosfera, entre outros.

Essas condições atmosféricas podem ser entendidas enquanto um padrão de uma dada região da superfície terrestre, em um período suficientemente longo, o que pode determinar sua classificação climática. Dessa forma, a Climatologia estuda a evolução e a distribuição dos eventos atmosféricos do planeta, mediante dados estatísticos de constância ou variabilidade climática em uma série histórica definida.

Sendo assim, pode-se afirmar que a Terra Indígena Rio Silveira está sob a influência do clima tropical úmido, devido a sua localização na parcela setentrional (norte) do litoral paulista, zona por onde se estende o tipo de clima apontado, caracterizado períodos frios e outros quentes, mas sempre muito chuvoso.

Segundo a Embrapa, o clima tropical úmido é definido como bastante chuvoso, sem estação seca e com o período mais úmido ocorrendo entre março e agosto, com um índice de chuvas de 1.500 mm ao ano. Nos meses mais quentes, a temperatura média pode chegar a 25°C, enquanto que nos meses menos quentes, a média é de 18°C, conforme o apresentado no climograma a seguir:

[CLIMOGRAMA]

Essa diferença na distribuição da chuva e nas temperaturas médias em cada mês acontece devido à inclinação do eixo da terra e ao movimento de translação, ou seja, da trajetória da Terra ao redor do Sol. No verão, por conta desta inclinação, os raios solares atingem as zonas tropicais do globo com maior intensidade em relação aos pólos, o que eleva as temperaturas e a pluviosidade destas regiões. No inverno, a incidência de radiação solar sobre a Terra é menor, resultando na diminuição das temperaturas e no decréscimo do volume de chuvas. Ao longo de 365 dias, a Terra se desloca numa órbita elíptica em torno do Sol, o que provoca a variação da irradiação solar sobre o planeta, dando origem às estações do ano. A figura abaixo mostra a inclinação do eixo terrestre:

[GLOBO TERRESTRE]

O mesmo se aplica para o movimento de rotação da Terra em seu próprio eixo, o qual diferencia o dia e a noite, a partir da disponibilidade de luz solar em um período de vinte e quatro horas. Nos horários de maior confluência de raios solares, a temperatura é mais elevada, ao passo em que nos horários de menor exposição ao sol, a temperatura é mais baixa. As estações do ano e a quantidade de chuva em diferentes épocas estão intimamente vinculadas às tradições do povo Mbyá Guarani. Segundo sua crença, o período do Ciclo Novo coincide com os meses mais quentes e úmidos em Rio Silveira, quando os rios enchem, os solos encharcam, as plantas e árvores estão mais viçosas e há mais animais circulando pela floresta.

Para os Guarani, o Ciclo Novo tem início no que denominam de época das flores, equivalente à primavera, quando o povo da aldeia se dedica ao preparo da terra para o plantio de alimentos, que serão consumidos por todas as famílias da comunidade. Na época do trovão – ou verão para os não-indígenas – são colhidos os cultivos, incluindo o milho e a erva-mate, essenciais para a cultura Guarani. Nesse período do Ciclo Novo, também são realizados os batizados das crianças e as rezas para a cura dos enfermos.

Quando os temporais cessam e as temperaturas diminuem, começa o Ciclo Velho. Na tradição desse povo, esta é a época da caça, que vem sendo prejudicada devido ao avanço da urbanização pelo litoral e à caça ilegal de animais por pessoas de fora da aldeia. Com isso, a quantidade de bichos se reduz, obrigando os indígenas a limitar a frequência desta atividade no intuito de prevenir a extinção da fauna local.

A dinâmica climática da Terra define diretamente a distribuição geográfica da fauna e da flora pela superfície. O tipo de vegetação existente em cada lugar é influenciado pelo clima, uma vez que este modifica a paisagem, sendo parte do ciclo da água associado a processos biológicos que moldam os sistemas naturais, incluindo a formação de florestas e outros tipos de cobertura vegetal.

O conceito de bioma é comumente utilizado para categorizar a vegetação específica de determinada região. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020), bioma é

“um conjunto da vida vegetal e animal, constituído pelo agrupamento de vegetação que são próximos e que podem ser identificados em nível regional, com condições de geologia e clima semelhantes e que, historicamente, sofreram os mesmos processos de formação de paisagem, resultando em uma diversidade de fauna e flora própria”

Nesse sentido, o bioma presente na Terra Indígena Rio Silveira é o da Mata Atlântica, cuja extensão abrange quase a totalidade da costa leste, cobrindo do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, além do interior dos estados da região sudeste e sul, como São Paulo e Paraná. A seguir, está o mapa dos biomas brasileiros:


Infelizmente, devido ao intenso processo de urbanização ocorrido nas áreas litorâneas, o bioma de Mata Atlântica foi amplamente impactado, acarretando muitos prejuízos ambientais e sociais, que afetam a população em geral que mora nessa região, em especial a população indígena e caiçara. Segundo a ONG SOS Mata Atlântica, restam somente 12,4% da cobertura original deste bioma. O imenso espaço desmatado é hoje ocupado por 72% da população brasileira, que se abriga nas grandes cidades da zona costeira (SOS MATA ATLÂNTICA, 2020).

No interior de um bioma há vários ecossistemas, que são interações específicas entre comunidades bióticas e aspectos físico-químicos do meio, resultando em uma particularidade de relações naturais em menor escala. Na aldeia Rio Silveira, existem dois ecossistemas principais: os manguezais e as restingas. Na imagem a seguir, observa-se o ecossistema do manguezal:

[FOTO MANGUE]

Os manguezais representam um tipo de ecossistema presente em todo o litoral do Brasil, onde ocorre a formação a partir do encontro da água doce fluvial e da água salgada marinha. Desta combinação resulta uma vegetação típica, de aspecto arbóreo, com longas raízes aéreas de sustentação, que permitem seu crescimento nesta área de alta concentração salina. Nessas áreas de encontro das águas dos rios com as do mar desenvolve uma rica biodiversidade de fauna e flora, ambiente importante para a reprodução de peixes e crustáceos, que ajudam na alimentação e na construção de utensílios para a população da região.

Já a restinga é definida como uma planície arenosa, em zonas litorâneas, originada a partir da interação da linha de costa com o mar, incluindo praias, dunas e margens de lagunas. A vegetação de restinga, assim como a do mangue, tem sua formação influenciada pela deposição flúvio-marinha à beira-mar. Como neas áreas de restinga há poucos nutrientes, a fauna não é tão variada e rica quanto nas dos manguezais. Abaixo, segue imagem da restinga:

[FOTO RESTINGA]

Diante do exposto aqui neste texto, o bioma de Mata Atlântica é um espaço de importante vivência do povo Guarani, onde originaram-se suas tradições e valores e suas práticas de vida cotidianas. É o lugar provisor de todas as necessidades básicas dos povos tradicionais que habitam essas áreas, desde alimento até abrigo. É pertinente ressaltar que o uso da natureza pelos Guarani está atrelado à sua espiritualidade, portanto, a intervenção no ambiente é feita de modo a respeitar o meio em que vivem para garantir sua existência.

___________________________________________________________________

 

REFERÊNCIAS

Ab´Sáber, Aziz. Os dominios de natureza no Brasil: potencialidades paisagisticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

BIOMAS. Disponível em: <Biomas> . Acesso em 11 de julho 2020.

CLIMA. Disponível em: <https://www.cnpf.embrapa.br/pesquisa/efb/clima.htm>. Acesso em 11 de julho 2020.

EMBRAPA. Os solos do Brasil. Disponível em: <https://cutt.ly/ppTIsUq>. Acesso em 12 de julho, 2020.

INSTITUTO   AGRONÔMICO.   Solos    do    Estado    de    São    Paulo.    Disponível                       em:

<http://www.iac.sp.gov.br/solossp/>. Acesso em 12 de julho 2020.

MINISTÉRIO        DO        MEIO        AMBIENTE.       Manguezais.        Disponível                              em:

<https://www.mma.gov.br/biodiversidade/biodiversidade-aquatica/zona-costeira-e-marinha/

RESTINGAS. Disponível em: <http://www.zonacosteira.bio.ufba.br/vrestinga.html>. Acesso em 11 de julho 2020.

SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL.Os solos.        Disponível                        em: http://www.cprm.gov.br/publique/Redes-Institucionais/Rede-de-Bibliotecas—Rede-Ametista/Os-Solos-2620.html

SOS    MATA  ATLÂNTICA.  Informações    sobre    a    Mata    Atlântica.   Disponível            em: