Matéria originalmente publicada no Jornal da Unicamp, em 11 de junho de 2024. Clique aqui para ler o texto original.
Por: Mariana Ceci
A Segunda Guerra Mundial foi um ponto de inflexão para que diversos países se atentassem ao valor do planejamento estratégico e manejo de situações complexas relacionadas ao futuro e, consequentemente, aos estudos de futuro.
Como obviamente não dispomos de séries históricas ou dados sobre o futuro, os estudos do futuro utilizam dados do passado e do presente, além de opiniões de especialistas para tentar imaginar aquilo que pode acontecer, e seus respectivos desdobramentos.
Os “estudos do futuro” recebem muitos nomes e abordagens. Forecasting e foresight, assim como suas variações, são os mais empregados e direcionam-se a estudar prospectivamente os mais variados campos do conhecimento.
“Uma pergunta que sempre paira sobre a prospecção é se mais e melhores dados obtidos no presente seriam capazes de aumentar a acurácia de “previsões”. Prever o futuro seria um problema de disponibilidade de dados e capacidade computacional, ou nem com isso seria possível aumentar a acurácia da prospecção?”, explica o professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (DPCT/Unicamp), Sergio Salles-Filho.
Com a emergência de grandes bases de dados (big data) e da capacidade computacional e o aprendizado de máquina (machine learning), os estudos prospectivos conseguirão superar a incerteza inerente ao futuro? Se sim, em que medida? Se não, por que não?
No dia 25 de maio, os pesquisadores Vinicius Muraro, da Universidade de Lund, na Suécia, e Sergio Salles-Filho, publicaram, na revista científica Foresight, um artigo que analisa os usos de big data e machine learning nesta área do conhecimento. Ambos pesquisadores integram o Laboratório de Estudos sobre a Organização da Pesquisa e da Inovação (Lab-GEOPI), da Unicamp.
Para fazer as análises, foram utilizadas duas técnicas: a bibliometria, ferramenta estatística que permite mapear e gerar diferentes indicadores sobre a gestão da informação e do conhecimento a partir de publicações científicas, com coleta de artigos publicados desde o ano de 2021, na base Scopus; e um survey, que coletou respostas de 479 especialistas em estudos sobre foresight.
A partir dos resultados, os pesquisadores puderam compreender melhor como essas ferramentas têm sido incorporadas nos estudos de políticas, e fornecer uma análise sobre as lacunas e pontos aos quais outros pesquisadores devem estar atentos ao incorporar big data e machine learning em seus estudos.
Dentre os impactos que os pesquisadores observam a partir da adoção de big data e machine learning, estão a necessidade de criar novas competências profissionais e mecanismos institucionais de controle, que promovam uma interação dinâmica entre os resultados obtidos a partir dos dados e o conhecimento humano. Eles destacam, no entanto, que o uso responsável das novas tecnologias será capaz de aumentar significativamente a capacidade de análise no campo dos estudos sobre o futuro, o que pode beneficiar a tomada de decisões estratégicas e visualizar novos cenários, ainda mais bem embasados, sobre futuros desejáveis para as sociedades.
Quanto a tornar a prospecção um exercício mais preciso, os autores apontam que a única forma de contornar a incerteza, mesmo contando com quantidades muito grandes de dados e alta capacidade de processamento desses dados, a incerteza só será contornada ou reduzida para eventos de curto prazo e pouco suscetíveis a eventos imprevistos. Nesses casos, assuntos do futuro que tenham maior amplitude, menor resolução no presente e maior possibilidade de gerar impactos continuariam sendo naturalmente incertos, e os recursos de big data e machine learning pouco contribuíram para resolvê-los.