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Além da Trincheira: uma experiência em sala de aula

Inúmeras são as possibilidades de se comunicar sobre ciência, e é essencial promover e praticar essa diversidade. Aqui, compartilhamos os desfechos de uma atividade educativa na disciplina de Pedologia, realizada por estudantes dos cursos de Geografia e Geologia do IG-UNICAMP.

por: Diego F. T. Machado


No Instituto de Geociências da UNICAMP, os cursos de Geografia (bacharelado e licenciatura) e Geologia foram criados no ano de 1997 e implementados no ano de 1998, quando receberam suas primeiras turmas, tanto no período diurno quanto no noturno.
A disciplina Pedologia (GF508) é obrigatória para todos estes cursos, tendo atualmente uma demanda básica de 50 alunos no período diurno e 30 alunos no noturno.

O oferecimento da mesma disciplina para os diferentes cursos(inclusive com a situação corriqueira dos alunos dos três cursos na mesma sala) provoca um desafio para o trabalho com os conteúdos, que devem ser tratados para um público com diferentes interesses. Desde o início da disciplina, temos enfrentado esse desafio, e isso tem influenciado os métodos de avaliação. Por isso, no ano de 2023, buscamos encorajar os alunos a demonstrarem os conhecimentos e habilidades adquiridos ao longo do semestre por meio de diferentes formas de comunicação.

Sobre a atividade

A inspiração surgiu, naturalmente, do efervescer das atuais formas de interações digitais, em um momento oportuno em que muito se discute sobrea importância de se extrapolar os limites da academia ao se discutir sobre os avanços científicos. Certamente, o debate é complexo e esses trabalhos não tem por objetivo aprofundar-se neste tema, no entanto é algo que demanda diferentes abordagens que vão além da escrita técnico científica. Nesse sentido, acreditamos ser valioso encorajar os alunos a explorarem diferentes fôrmas de transmitir o conhecimento.

Para tanto, foi orientado aos alunos matriculados na disciplina de Pedologia, que expressassem os conhecimentos adquiridos ao longo do semestre, com base em seus interesses particulares, sua percepção sobre os solos ou ainda sobre as relações que esses estabelecem com o meio.

Resultados obtidos

O material a seguir é um compilado dos resultados obtidos com a realização da atividade. Nos surpreendeu a diversidade de temas e as formas de comunicação apresentadas pelos alunos, aqui separados por: Tópicos em Ciência do Solo/Pedologia (11 trabalhos), Ilustrações (2 trabalhos), Poesia (1 trabalho), Entrevista (1trabalho), Fotos (10 trabalhos) e Panfletos (4 trabalhos).


Boa leitura!


Edição: Diego Fernandes Terra Machado

Arte da Capa: Diego Fernandes Terra Machado


Geografia, solos e paisagem

por Diego Machado

Perguntamos a Dra. Grace B. Alves (UFBA) e ao Dr. José João Lelis (UFV) quais as contribuições da geografia para os estudos sobre os solos, e qual a importância em compreender as relações entre solo e paisagem?


MUITO MAIS DO QUE O CHÃO QUE PISAMOS…

GA – Nosso alimento depende dos solos, assim como uso dos solos, seja em ambiente rural ou urbano, o solo possui ainda função de filtro e armazenamento de água (é mais importante nas rochas sedimentares, mas passa pelos solos), serve para a produção de fibras das roupas que vestimos, pode servir de matéria prima para extração de ferro e alumínio, por exemplo, de material de construção e para fabricação de cerâmica, entre outras coisas, para ficarmos dentro das funções mais básicas. Todos estes exemplos só ressaltam a importância dos solos e seu conhecimento.


Funções do Solo
As funções do solo – disponível em http://www.fao.org/3/ax374pt/ax374pt.pdf

PEDOLOGIA E GEOGRAFIA – ENTRE ESCALAS E FENÔMENOS

JJ – O solo é agente síntese da paisagem e o melhor estratificador de ambientes, portanto a Geografia precisa integrar o solo em suas análises para melhor compreender a dinâmica espacial.

GA – Se pegarmos o exemplo de uma represa hidrelétrica construída em Tocantins que alagou uma extensa área de Plintossolos (solos que apresentam acumulação de ferro) e depois passou a apresentar processos erosivos com o surgimento generalizado de pipes, feições erosivas que formam verdadeiros túneis com grande retirada de material, o entendimento do funcionamento destes solos na paisagem teria servido para indicar que esse seria o curso normal da evolução das vertentes e dos processos erosivos, frente a modificação do nível de base em um solo que possui um funcionamento específico.


Pipies – “vazios tubulares ou passagens no solo que podem variar em tamanho de conduítes estreitos com apenas alguns milímetros de diâmetro a túneis com pelo menos muitos centímetros de diâmetro” Na figura – B. Piping com desabamento recente do teto no horizonte C; D. Piping com teto relativamente preservado. Fonte: Sousa e Correchel 2015

JJ – [do ponto de vista da ocupação das terras] por exemplo, não há como descrever e interpretar a ocupação do cerrado por monoculturas e avanço do desmatamento sobre a Amazônica sem considerar o solo como elemento chave.

JJ – Como estudar a desertificação de terras semiáridas no Brasil sem considerar a perda de qualidade do solo? Da mesma forma, não há como explicar a diversidade de fitofisionominas dentro dos domínios morfoclimáticos sem considerar a disponibilidade de água e nutrientes no solo.

JJ – Grande parte da população mais carente no Brasil depende essencialmente do solo para sua subsistência. Todavia, não temos resultados satisfatórios que mensuram o percentual de terras degradadas no Brasil. É papel da Geografia contribuir com esses estudos e encontrar soluções.

SOLOS & PAISAGEM… & PLANEJAMENTO TERRITORIAL & EDUCAÇÃO & […]

GA – Acredito que a Geografia tem muito a ganhar com o aprofundamento do conhecimento sobre os solos, para além das questões sobre evolução da paisagem, que são minhas preferidas. Os solos são importantíssimos para discutir planejamento urbano e territorial, não basta só identificar as classes de solos presentes e as características de relevo, é necessário ter o entendimento do funcionamento, entendimento que se torna possível inclusive através da compreensão da evolução da paisagem. É preciso ainda popularizar o conhecimento dos solos no ensino básico e em espaços não formais, nossa vida é muito dependente dos solos para só sabermos que eles possuem horizontes A, B e C, ou que se subdividem em classes.

GA – Acabo de finalizar a orientação do trabalho de Izis Santiago que traz algumas destas questões relacionando os solos com susceptibilidade ambiental e vulnerabilidade social, para discutir no ensino básico os deslizamentos e alagamentos em Salvador. Verificamos um interesse muito grande no assunto e foi possível fomentar esta discussão correlacionando diferentes elementos, sem fechar a discussão na Pedologia. Acho que esse é o nosso principal interesse na Rede, não queremos fechar a discussão somente na Pedologia, ou na Geografia Física, queremos discutir com profissionais de diferentes áreas, ver o que mais podemos aprender, como podemos cooperar e quais conhecimentos podemos fornecer neste processo.


Movimento de massa ocorrido na localidade do Barro Branco, Salvador – BA.
Fonte: Manu Dias/ Governo da Bahia/Divulgação.

SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES DA GEOGRAFIA PARA OS ESTUDOS EM SOLOS

JJ – Em geral, geógrafxs possuem uma formação mais profunda em geomorfologia, arqueologia, geoprocessamento e até mesmo geologia do que outros profissionais que contribuem com a Pedologia. Isso nos confere um olhar diferenciado sobre a gênese do solo. Tais conhecimentos nos permitem entender como os processos pedogenéticos ocorrem em diferentes escalas do tempo e espaço, bem como avaliar a como os fatores de formação do solo interagem de forma diferente considerando essas escalas. Um dos exemplos práticos de como a Geografia pode contribuir com a Pedologia é no estudo de solos urbanos. Por tradição essa não é uma área de interesse da Agronomia e são escassos os estudos dessa temática no Brasil.

GA – Acredito que é mais fácil para profissionais de Geografia trabalharem em equipes multidisciplinares devido as características próprias da nossa formação, isso facilita fazer a ponte com outras áreas, mas isso também é observado em especialistas em solos formados em diferentes áreas, porque o entendimento dos solos também nos leva a interagir com diferentes campos da ciência. Neste contexto, a compreensão das relações entre solo e paisagem é importantíssima para o entendimento da evolução da própria paisagem, para o planejamento territorial e para projeções futuras, frente as alterações climáticas que estamos observando.

LP – Atualmente, estamos passando por um período de retomada dos estudos relacionados a geografia dos solos. Neste contexto, no Brasil, quais as contribuições da geografia para os estudos sobre a distribuição espacial dos solos na paisagem?

GA – Não sei se Geografia dos Solos dá conta de explicar tudo o que tem sido feito no Brasil, em termos de estudos de solo e paisagem. Quando comparamos os trabalhos realizados no exterior com os daqui, é possível perceber que os nossos se mostram mais amplos e com uma discussão evolutiva mais destacada, não restringindo à distribuição dos solos, ou mesmo o seu funcionamento, dependendo a definição de Geografia dos solos adotada, acho que isso ficou bem evidente dentro das apresentações das “Trajetórias dos solos à paisagem” (TSP).

Então, há muitas coisas a serem consideradas para responder sobre a Geografia dos solos. Diante do que temos discutido e levantado, acredito que no Brasil ultrapassamos e não delimitamos nossas discussões ao que é entendido como Geografia dos Solos, embora essa área tenha ganhado certo destaque nas últimas décadas, o que é feito no Brasil tem um foco maior nas características de relevo, podemos até retomar as colocações de Volkoff (1984), de que no Brasil o clima não é suficiente para entender a distribuição dos solos, é preciso considerar a evolução do relevo, que por vezes pode até ressaltar o papel da litologia ao revelá-la pelos processos de denudação.

Assim, me parece que as relações expostas através da observação dos solos na paisagem, indicam que o seu entendimento não pode ser separado da compreensão da evolução do relevo e até mesmo dos grandes conjuntos de vegetação, como exposto para as paisagens sertanejas (Alves, 2019), compreendendo inclusive que durante o tempo geológico todos os elementos da paisagem se diferenciaram, impulsionados sobretudo pelo clima existente. Dessa forma, não dá para entender os solos com base apenas nos processos e elementos da paisagem atuais.

No segundo semestre do ano passados várias pessoas do núcleo inicial [da Rede de Estudos Avançados sobre Solo e Relevo – SOPA] participaram da disciplina “Solos e Paisagem: Escalas, Relações e Métodos de Estudo” ofertada pela professora Selma Simões de Castro, na pós-graduação em Solos e nutrição de plantas, da ESALQ-USP. Passamos o semestre discutindo o assunto na disciplina e nas lives TSP. Desta disciplina construímos um artigo que discute Topossequências e Catenas, juntando Fábio, Valdomiro e Eu, e juntamente com as contribuições da professora Selma, deveremos enviar para publicação em breve. Motivados por esta discussão e por convite da professora Selma, Fábio e eu participamos de uma discussão sobre Geografia dos Solos e Solo e Paisagem, numa publicação* que deverá sair em breve, e que trará uma contribuição mais detalhada do que estou pincelando aqui. 

*CASTRO, S.S.;  ALVES, G.B.; OLIVEIRA, F.S. 2021. Solo e Paisagem: principais abordagens no estudo das interrelações.  In: Perez Filho et al. Geografia: teorias, métodos e aplicações na perspectiva ambiental. Geografia IGEO/UNICAMP, Ed. Consequência. (Cap.no prelo).


SAIBA MAIS – TSP Ep.1 – Solo e Paisagem da Geografia do Solo à Pedogeomorfologia


Edição: Diego F. T. Machado

Foto da Capa: Divulgação projeto Radam Brasil


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