Geografia, solos e paisagem

por Diego Machado

Perguntamos a Dra. Grace B. Alves (UFBA) e ao Dr. José João Lelis (UFV) quais as contribuições da geografia para os estudos sobre os solos, e qual a importância em compreender as relações entre solo e paisagem?


MUITO MAIS DO QUE O CHÃO QUE PISAMOS…

GA – Nosso alimento depende dos solos, assim como uso dos solos, seja em ambiente rural ou urbano, o solo possui ainda função de filtro e armazenamento de água (é mais importante nas rochas sedimentares, mas passa pelos solos), serve para a produção de fibras das roupas que vestimos, pode servir de matéria prima para extração de ferro e alumínio, por exemplo, de material de construção e para fabricação de cerâmica, entre outras coisas, para ficarmos dentro das funções mais básicas. Todos estes exemplos só ressaltam a importância dos solos e seu conhecimento.


Funções do Solo
As funções do solo – disponível em http://www.fao.org/3/ax374pt/ax374pt.pdf

PEDOLOGIA E GEOGRAFIA – ENTRE ESCALAS E FENÔMENOS

JJ – O solo é agente síntese da paisagem e o melhor estratificador de ambientes, portanto a Geografia precisa integrar o solo em suas análises para melhor compreender a dinâmica espacial.

GA – Se pegarmos o exemplo de uma represa hidrelétrica construída em Tocantins que alagou uma extensa área de Plintossolos (solos que apresentam acumulação de ferro) e depois passou a apresentar processos erosivos com o surgimento generalizado de pipes, feições erosivas que formam verdadeiros túneis com grande retirada de material, o entendimento do funcionamento destes solos na paisagem teria servido para indicar que esse seria o curso normal da evolução das vertentes e dos processos erosivos, frente a modificação do nível de base em um solo que possui um funcionamento específico.


Pipies – “vazios tubulares ou passagens no solo que podem variar em tamanho de conduítes estreitos com apenas alguns milímetros de diâmetro a túneis com pelo menos muitos centímetros de diâmetro” Na figura – B. Piping com desabamento recente do teto no horizonte C; D. Piping com teto relativamente preservado. Fonte: Sousa e Correchel 2015

JJ – [do ponto de vista da ocupação das terras] por exemplo, não há como descrever e interpretar a ocupação do cerrado por monoculturas e avanço do desmatamento sobre a Amazônica sem considerar o solo como elemento chave.

JJ – Como estudar a desertificação de terras semiáridas no Brasil sem considerar a perda de qualidade do solo? Da mesma forma, não há como explicar a diversidade de fitofisionominas dentro dos domínios morfoclimáticos sem considerar a disponibilidade de água e nutrientes no solo.

JJ – Grande parte da população mais carente no Brasil depende essencialmente do solo para sua subsistência. Todavia, não temos resultados satisfatórios que mensuram o percentual de terras degradadas no Brasil. É papel da Geografia contribuir com esses estudos e encontrar soluções.

SOLOS & PAISAGEM… & PLANEJAMENTO TERRITORIAL & EDUCAÇÃO & […]

GA – Acredito que a Geografia tem muito a ganhar com o aprofundamento do conhecimento sobre os solos, para além das questões sobre evolução da paisagem, que são minhas preferidas. Os solos são importantíssimos para discutir planejamento urbano e territorial, não basta só identificar as classes de solos presentes e as características de relevo, é necessário ter o entendimento do funcionamento, entendimento que se torna possível inclusive através da compreensão da evolução da paisagem. É preciso ainda popularizar o conhecimento dos solos no ensino básico e em espaços não formais, nossa vida é muito dependente dos solos para só sabermos que eles possuem horizontes A, B e C, ou que se subdividem em classes.

GA – Acabo de finalizar a orientação do trabalho de Izis Santiago que traz algumas destas questões relacionando os solos com susceptibilidade ambiental e vulnerabilidade social, para discutir no ensino básico os deslizamentos e alagamentos em Salvador. Verificamos um interesse muito grande no assunto e foi possível fomentar esta discussão correlacionando diferentes elementos, sem fechar a discussão na Pedologia. Acho que esse é o nosso principal interesse na Rede, não queremos fechar a discussão somente na Pedologia, ou na Geografia Física, queremos discutir com profissionais de diferentes áreas, ver o que mais podemos aprender, como podemos cooperar e quais conhecimentos podemos fornecer neste processo.


Movimento de massa ocorrido na localidade do Barro Branco, Salvador – BA.
Fonte: Manu Dias/ Governo da Bahia/Divulgação.

SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES DA GEOGRAFIA PARA OS ESTUDOS EM SOLOS

JJ – Em geral, geógrafxs possuem uma formação mais profunda em geomorfologia, arqueologia, geoprocessamento e até mesmo geologia do que outros profissionais que contribuem com a Pedologia. Isso nos confere um olhar diferenciado sobre a gênese do solo. Tais conhecimentos nos permitem entender como os processos pedogenéticos ocorrem em diferentes escalas do tempo e espaço, bem como avaliar a como os fatores de formação do solo interagem de forma diferente considerando essas escalas. Um dos exemplos práticos de como a Geografia pode contribuir com a Pedologia é no estudo de solos urbanos. Por tradição essa não é uma área de interesse da Agronomia e são escassos os estudos dessa temática no Brasil.

GA – Acredito que é mais fácil para profissionais de Geografia trabalharem em equipes multidisciplinares devido as características próprias da nossa formação, isso facilita fazer a ponte com outras áreas, mas isso também é observado em especialistas em solos formados em diferentes áreas, porque o entendimento dos solos também nos leva a interagir com diferentes campos da ciência. Neste contexto, a compreensão das relações entre solo e paisagem é importantíssima para o entendimento da evolução da própria paisagem, para o planejamento territorial e para projeções futuras, frente as alterações climáticas que estamos observando.

LP – Atualmente, estamos passando por um período de retomada dos estudos relacionados a geografia dos solos. Neste contexto, no Brasil, quais as contribuições da geografia para os estudos sobre a distribuição espacial dos solos na paisagem?

GA – Não sei se Geografia dos Solos dá conta de explicar tudo o que tem sido feito no Brasil, em termos de estudos de solo e paisagem. Quando comparamos os trabalhos realizados no exterior com os daqui, é possível perceber que os nossos se mostram mais amplos e com uma discussão evolutiva mais destacada, não restringindo à distribuição dos solos, ou mesmo o seu funcionamento, dependendo a definição de Geografia dos solos adotada, acho que isso ficou bem evidente dentro das apresentações das “Trajetórias dos solos à paisagem” (TSP).

Então, há muitas coisas a serem consideradas para responder sobre a Geografia dos solos. Diante do que temos discutido e levantado, acredito que no Brasil ultrapassamos e não delimitamos nossas discussões ao que é entendido como Geografia dos Solos, embora essa área tenha ganhado certo destaque nas últimas décadas, o que é feito no Brasil tem um foco maior nas características de relevo, podemos até retomar as colocações de Volkoff (1984), de que no Brasil o clima não é suficiente para entender a distribuição dos solos, é preciso considerar a evolução do relevo, que por vezes pode até ressaltar o papel da litologia ao revelá-la pelos processos de denudação.

Assim, me parece que as relações expostas através da observação dos solos na paisagem, indicam que o seu entendimento não pode ser separado da compreensão da evolução do relevo e até mesmo dos grandes conjuntos de vegetação, como exposto para as paisagens sertanejas (Alves, 2019), compreendendo inclusive que durante o tempo geológico todos os elementos da paisagem se diferenciaram, impulsionados sobretudo pelo clima existente. Dessa forma, não dá para entender os solos com base apenas nos processos e elementos da paisagem atuais.

No segundo semestre do ano passados várias pessoas do núcleo inicial [da Rede de Estudos Avançados sobre Solo e Relevo – SOPA] participaram da disciplina “Solos e Paisagem: Escalas, Relações e Métodos de Estudo” ofertada pela professora Selma Simões de Castro, na pós-graduação em Solos e nutrição de plantas, da ESALQ-USP. Passamos o semestre discutindo o assunto na disciplina e nas lives TSP. Desta disciplina construímos um artigo que discute Topossequências e Catenas, juntando Fábio, Valdomiro e Eu, e juntamente com as contribuições da professora Selma, deveremos enviar para publicação em breve. Motivados por esta discussão e por convite da professora Selma, Fábio e eu participamos de uma discussão sobre Geografia dos Solos e Solo e Paisagem, numa publicação* que deverá sair em breve, e que trará uma contribuição mais detalhada do que estou pincelando aqui. 

*CASTRO, S.S.;  ALVES, G.B.; OLIVEIRA, F.S. 2021. Solo e Paisagem: principais abordagens no estudo das interrelações.  In: Perez Filho et al. Geografia: teorias, métodos e aplicações na perspectiva ambiental. Geografia IGEO/UNICAMP, Ed. Consequência. (Cap.no prelo).


SAIBA MAIS – TSP Ep.1 – Solo e Paisagem da Geografia do Solo à Pedogeomorfologia


Edição: Diego F. T. Machado

Foto da Capa: Divulgação projeto Radam Brasil


JÁ CONHECE NOSSO CANAL NO YOUTUBE?