Artigo discute ocupação humana inicial e mudanças geomorfológicas no sudeste do Brasil.

A pesquisa apresenta uma integração entre a caracterização da geologia, relevo, solos, sedimentos e de 600 artefatos de rocha lascada encontradas adjacentes a planície do rio Mogi-Guaçu, no centro do estado de São Paulo. Ocupação humana local pode ter se iniciado mais de 17 mil anos atrás. 


O artigo publicado na revista Journal of Quaternary Science [1] traz resultados parciais da pesquisa que está sendo conduzida pelo doutorando em Geografia, Pedro Michelutti Cheliz, vinculado ao LABPED | IG-UNICAMP. Nele, caracterizou-se que a ocupação humana de antigos caçadores-coletores ocorreu em encostas truncadas por movimentos laterais (~1200 m) e verticais (~5 m) do Rio Mogi-Guaçu durante o Quaternário Tardio, em uma área onde afloramentos rochosos são incomuns. Este contexto geológico favoreceu o acesso simultâneo de grupos humanos aos recursos proporcionados pela planície aluvial e pelas encostas.

Apenas artefatos de quartzo foram encontrados nos pontos mais profundos das escavações, enquanto nos segmentos intermediário e superior foram encontrados também artefatos de sílexito e arenito, sugerindo que houve mudanças nos materiais geológicos usados por estas antigas populações em paralelo as mudanças ambientais locais.

Os pesquisadores Gabriela Sartori e Pedro Michelutti nas escavações do sítio arqueológico Rincão I

No artigo se descreve como centenas de artefatos rochosos estão associados a paleossolos originários de colúvios datados por LOE* entre 20,3 e 5,5 mil anos. Essas idades são consistentes com os contextos paleopedológicos e geomorfológicos locais de mudanças paisagísticas e, em parte, controversas do ponto de vista dos modelos para a dispersão humana do sudeste do Brasil, que usualmente caracterizam idades menos antigas (entre 10 e 12 mil anos atrás) para a ocupação antrópica inicial deste setor do território nacional. 

Luminescência Opticamente Estimulada (LOE)

A datação por luminescência opticamente estimulada (LOE) é um método científico utilizado para estimar a idade de sedimentos que estiveram expostos à determinados tipos de radiação que se dispersam facilmente quando expostos a luz do sol. Desta maneira, podemos estimar o último momento em que estes materiais foram alcançados pela luz solar, e portanto estimar o tempo de deposição dos sedimentos. Esse método se baseia na medição da quantidade de radiação acumulada por grãos de quartzo, e compara-la com a taxa de emissão de radiação presente nos sedimentos. Ao comparar a quantidade de radiação acumulada nos grãos de quartzo com as taxas de emissão natural de radiação de outros minerais ali presentes, os cientistas podem determinar há quanto tempo o material foi soterrado, o que proporciona informações importantes sobre sua idade e história.
Alguns dos artefatos resgatados nas escavações, imagens dos trabalhos de campo e, ao centro, vista dos solos locais tal como observados no microscópio petrográfico

O artigo foi dedicado à memória de Manoel Martins (1959-2023), professor da rede pública de geografia e sociologia, que encantou e incentivou vocações e vidas de incontáveis estudantes na região de Araraquara, onde a pesquisa foi feita.


Artigo: Early anthropic occupation and geomorphological changes in South America: human–environment interactions and OSL data from the Rincão I site, southeastern Brazil

Leia mais aqui: [1] https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/jqs.3505


Edição: Diego Fernandes Terra Machado


Antropoceno: Época do Quaternário?

por: Érika C.N. Silva e Caio A.M. dos Santos –

O debate acalorado que traz para o centro do palco a extensão das ações humanas no espaço e no tempo.


Os avanços e descobertas científicas ocorrem a partir de uma gama de fatores que não são, de forma alguma, descontextualizados de seus recortes espaço-temporais. A velocidade, por exemplo, com a qual uma ideia pode ser amplamente difundida, debatida, aceita ou criticada pode ser uma das principais marcas dos tempos atuais. O que há décadas requeria muito mais tempo para ser traduzido e incluído em variados espaços de debate, hoje a distância espaço-temporal muitas vezes se restringe a um clique. E não é à toa, portanto, que uma ideia/conceito como o Antropoceno possui tantos matizes capazes de fazer cientistas do mundo inteiro e de diferentes áreas do conhecimento debaterem e produzirem conhecimento. E consenso para esse tema está longe de ser alcançado e mesmo desejado, visto que é na complexidade do debate que se está pensando, analisando, reinterpretando e abrindo múltiplas possibilidades de compreensão da relação sociedade-natureza, que está no cerne da discussão do Antropoceno.

O que está em pauta?

Afinal, como falar de uma nova época geológica relativa à agência humana sem colocar em debate questões como por exemplo:

1) As modificações causadas pelo ser humano na Terra são capazes de justificar a definição de uma nova época geológica?

2) Se sim, qual seria o marco espaço-temporal desse novo “recorte” no tempo geológico?

3) Ao falar de “ser humano” não há a necessidade de especificar quem é esse humano (de qual classe social, de onde, com qual real capacidade de interferência nos processos naturais, com qual real intensão, etc.)?

4) O reconhecimento de uma nova época geológica é capaz de suscitar debate sobre a nossa própria sociabilidade e os possíveis rumos que a humanidade deverá trilhar?

5) Se sim, não é desejável discutir, também, as reais causas das alterações, digamos, negativas (porque negativas para alguém, talvez não para todos)? Essas são poucas das muitas questões postas.

Representação artística de edifícios modernos compondo uma coluna estratigráfica – A estratigrafia é o ramo da geologia que estuda os estratos ou camadas de rochas, com o objetivo de compreender sua formação. Uma coluna estratigráfica explicita a relação cronológica das rochas de uma região, evidênciando o empilhamento das diferentes unidades litológicas. Imagem: Diego F.T. Machado, com uso da ferramenta DALL-E2

O Antropoceno em foco

Em termos de uma nova época geológica, o trabalho do Anthropocene Working Group está, como se diz, a todo vapor. Veículos importantes de divulgação da ciência mundial, como a Science e a Nature têm possibilitado a divulgação dos trabalhos, e mesmo contrapontos a eles. Aqui apresentaremos algumas das principais linhas do debate posto em termos do Antropoceno pelo viés geológico.

Em publicação recente na Nature, McKenzie Prillaman (2022) [1] aborda o tema a partir de um texto de Waters e Turner (2022) [2] publicado na Science, além de apresentar, em contrapartida, a opinião de outros cientistas e pesquisadores que não acreditam na viabilidade da definição do Antropoceno como época geológica. Engloba, assim, vários dos principais argumentos utilizados pelo AWG (Anthropocene Working Group), do qual Colin Waters e Simon Turner são, respectivamente, presidente e secretário atuais, para ratificar o Antropoceno como nova época geológica, bem como alguns contrapontos. Esse debate está ocorrendo de forma intensa, visto que a intenção é a apresentação, em breve, de uma proposta formal, por parte do AWG, sobre o início do Antropoceno como época geológica e seu possível GSSPGlobal Boundary Stratotype Sections and Points (Seção e ponto de estratotipo de limite global).

Mas o que seria o GSSP?

Conforme o site da Comissão Internacional de Estratigrafia [3], os GSSPs, são pontos de referência em seções estratigráficas de rocha que definem os limites inferiores dos estágios da Tabela Cronoestratigráfica Internacional, e desde 1977 essa comissão mantém o registro internacional deles. Apenas por curiosidade, destaca-se que entre as regras estão a obrigação do limite ser definido por uma mudança observável e inequívoca nas propriedades físicas ou no conteúdo fóssil dos estratos, bem como deve apresentar outras manifestações físicas (marcadores secundários) que podem ser usadas para localizar o limite, como outros fósseis, mudanças químicas e reversão magnética. Além desses, outro fator importante é que os marcadores primários ou secundários devem apresentar manifestações regionais e globais, permitindo a correlação em afloramentos da mesma idade, além de apresentar camadas com minerais possíveis de serem datados radiometricamente.

A Escala de Tempo Geológico retrata a sequência temporal desde a formação da Terra até o presente. Essas divisões são baseadas nos principais eventos geológicos que ocorreram ao longo da história geológica do nosso planeta. As unidades cronoestratigráficas correspondem a conjuntos de rochas que se formaram durante um intervalo específico de tempo. Para padronizar essas unidades em nível internacional, temos a Tabela Cronoestratigráfica Internacional [4], um documento que estabelece os limites e as unidades de tempo geológico atualmente adotadas em todo o mundo.

Essas e outras regras devem, portanto, ser seguidas na proposição do Antropoceno para a finalidade de inclusão na Tabela Cronoestratigráfica Internacional. No entanto, o caminho até lá não é simples, e mesmo após a definição de um GSSP pelo AWG, ainda precisa passar por outras aprovações: da Subcomissão de Estratigrafia do Quaternário e Comissão Internacional de Estratigrafia, além da ratificação pelo Comitê Executivo da União Internacional de Ciências Geológicas. Em caso de aprovação, a alteração na Tabela Cronoestratigráfica Internacional mostrará, definitivamente, que saímos da época do Holoceno e entramos no Antropoceno.

Os locais em Estudo para os GSSPs do Antropoceno

Até o momento, 12 locais têm sido estudados como possibilidades para abrigar o GSSP do Antropoceno (Figura 1). Como é possível observar, há uma variedade de ambientes que são cogitados para abarcar o GSSP, e não são, necessariamente, em rochas, abarcando deposição antropogênica, corais, espeleotema, deposições em lagos e estuários, mantos de gelo, entre outros. Isto não é necessariamente novo, visto que para as idades do holoceno foram escolhidos testemunhos de gelo e espeleotemas (Greenlandiano no núcleo de gelo NGRIP2 da Groenlândia; Northgrippiano no núcleo de gelo NGRIP1 da Groenlândia; Megalayano em um espeleotema da Caverna Mawmluh, Meghalaya, nordeste da Índia) [5]. Esses locais estão sendo avaliados considerando suas evidências quanto à ação humana transformadora das características das paisagens.

Figura 1. Localização dos 12 candidatos e demais localidades de referência indicando o ambiente deposicional. Imagem de satélite: Terra visível da NASA. Fonte: Waters et al. (2023). Reproduzido com modificações de Head et al. (2022).

De acordo com o texto publicado na Science (WATERS; TURNER, 2022),

A definição precisará identificar propriedades físicas específicas em camadas de sedimentos, ou estratos, que capturem os efeitos de aumentos recentes na população humana; industrialização e globalização sem precedentes; e mudanças impostas na paisagem, clima e biosfera” (p. 706, tradução nossa).

Podemos levantar alguns questionamentos sobre esta afirmação, especialmente com relação ao aumento na população humana e os efeitos disso nos diferentes ambientes, ampliando o debate para questões como a desigualdade de acesso aos diferentes bens, exclusão social e capitalismo, diferentes tipos de impactos causados por determinados grupos sociais, classes sociais, etc. Ou seja, as mudanças nos diferentes ambientes e paisagens não são necessariamente relacionadas ao número de pessoas, mas sim a fatores muito mais complexos e que precisam ser estudados, visto que não são todos os seres humanos que causam efeitos no ambiente na mesma dimensão. No entanto, Waters e Truner (2022) assumem que encontrar um único GSSP, que represente uma referência global para o Antropoceno, é desafiador ao se ter em mente a diversidade de modificação geológica que tem ocorrido em diferentes ambientes.

Microplástico, alterações geoquímicas e partículas carbonosas – os marcadores do Antropoceno

Em termos de definição de uma época geológica relativa à humanidade, vários marcadores são mencionados nos trabalhos do AWG como amplamente difundidos em diferentes ambientes deposicionais. Dentre os quais os microplásticos, que se encontram bastante difundidos em diferentes ambientes da Terra, até mesmo dentro do próprio corpo humano [6] [7], e tem relação, entre muitos outros fatores, com processos industriais e globalização.

Contudo, grande atenção tem sido dada a outros marcadores como importantes na definição do GSSP. Estes incluem os relacionados às alterações geoquímicas (isótopos de Plutônio relativos aos testes com bombas nucleares, análise de isótopos de Carbono e Nitrogênio), aparecimento de partículas esferoidais carbonosas (Figura 2), resultantes da queima de combustíveis fósseis, e são considerados como marcadores estratigráficos importantes a nível mundial, apesar da consideração da importância, também, da presença de microplásticos, metais pesados e das modificações bióticas, como na introdução de espécies em um novo local (WATERS; TURNER, 2022).

Ao considerar esses marcadores, a década de 1950 tem sido apontada como possível data para o início do Antropoceno, visto que os trabalhos indicam o surgimento, ou mesmo intensificação, da presença deles em variados ambientes estudados. Idealmente, Waters e Turner (2002) comentam, também, que o local do GSSP deve possuir estratos datáveis com precisão, permitindo a fixação do Antropoceno em um ano específico, bem como apresentar um registro completo, sem lacunas ou distúrbios no intervalo de fronteira entre o Holoceno e o Antropoceno.

Uma imagem de microscopia eletrônica de varredura mostrando uma partícula esferoidal carbonosa (SCP) de aproximadamente 40 μm de diâmetro de Crawford Lake, Canadá. Fonte: Waters e Turner (2022).

Um debate persistente

Não há um único posicionamento na ciência a respeito do Antropoceno, como bem mostra Prillaman (2022). Uma das discussões é sobre a própria pesquisa e ciência Geológica conforme comenta Stanley Finney, presente na publicação de Prillaman (2022), ao afirmar que normalmente os geólogos encontram o estrato que deve entrar na escala do tempo geológico e, apenas depois, consideram a proposição do Golden Spike (Figura 3), rumo diferente do que a pesquisa do Antropoceno tem tomado.

Golden Spike é uma marcação física incluída no local escolhido para representar o limite entre um estágio e outro do tempo geológico

Este Golden Spike nas Cordilheiras Flinders da Austrália Meridional foi aprovado por geólogos em 2004, para marcar estratos que exemplificam o período Ediacarano. Crédito: James St. John (CC BY 2.0). Fonte: PRILLAMAN (2022).

Aqui no Brasil, o pesquisador Alex Peloggia [8] (2015) já havia realizado raciocínio semelhante, ao comentar que o conceito do Antropoceno surgiu a partir do reconhecimento de mudanças ambientais em nível planetário, e não no registro estratigráfico geológico, como de costume na Geologia, o que teria gerado problemas iniciais quanto à sustentação da ideia do Antropoceno a nível estratigráfico.

Já Lucy Edwards, como apresentado na publicação de Prillaman (2022), acredita que o estrato que pode definir o Antropoceno ainda não existe, devido a proposta época ser muito jovem. Em conjunto com outros pesquisadores, Edwards e Finney defendem a ideia do Antropoceno como “evento”, sendo este um termo mais flexível e que pode indicar extensão no tempo, a depender do impacto humano (PRILLAMAN, 2022). Cabe destacar que em 2014, Oliveira e Peloggia [9], no Brasil, haviam proposto uma definição de evento que dizia respeito ao caráter diacrônico das alterações causadas pelos seres humanos no planeta, o Evento Tecnogênico.

O debate parece estar longe de terminar, o que, por incrível que pareça, é positivo para a ciência!

Mesmo que o Antropoceno entre de vez na Tabela Cronoestratigráfica Internacional, ainda haverá muito a se discutir, como: 1) qual é o real impacto, em diferentes ciências, em se considerar o Antropoceno apenas pós 1950 e como se designar a todo o recorte temporal anterior, no qual as diferentes sociedades humanas também deixaram suas marcas nas paisagens? 2) O que esses marcadores considerados na definição do Antropoceno realmente nos dizem sobre a nossa sociabilidade? 3) O que se é definido, em grande parte, como alterações nas paisagens, e consequentes marcas nos estratos estratigráficos no Norte global pode ser correlacionado ao que se observa no Sul global? 4) Se as modificações nas paisagens e ambientes, em parte, são consideradas como “impactos”, quem são os atores sociais realmente responsáveis por eles? Como vemos, a questão do Antropoceno é muito mais ampla do que a sua definição em termos geológicos.


Para saber mais!

A ÉPOCA DO ANTROPOCENO: A EXPRESSÃO DO IMPACTO HUMANO AVASSALADOR NO PLANETA TERRA

Referências:

HEAD, M. J. et al. The Great Acceleration is real and provides a quantitative basis for the proposed Anthropocene Series/Epoch. Episodes Journal of International Geoscience, v. 45, n. 4, p. 359-376, 2022.

PELOGGIA, A. U. G. Os registros geológicos da ação humana e o Antropoceno-Tecnógeno: a estratigrafia da Arqueosfera. In: Congresso da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário. 2015. p. 12-13.

OLIVEIRA, A. M. S.; PELOGGIA, A. U. G. The Anthropocene and the Technogene: stratigraphic temporal implications of the geological action of humankind. Quaternary and Environmental Geosciences, v. 5, n. 2, 2014.

PRILLAMAN, M. Are we in the Anthropocene? Geologists could define new epoch for Earth. Nature, 2022.Waters e Turner.

WATERS, C. N. et al. Candidate sites and other reference sections for the Global boundary Stratotype Section and Point of the Anthropocene series. The Anthropocene Review, p. 1-22, 2023.

WATERS, C. N.; TURNER, S. D. Defining the onset of the Anthropocene. Science, v. 378, n. 6621, p. 706-708, 2022.


[1] https://www.nature.com/articles/d41586-022-04428-3

[2] https://www.science.org/doi/abs/10.1126/science.ade2310

[3] https://stratigraphy.org/gssps/

[4] https://stratigraphy.org/chart

[5] https://www.episodes.org/journal/view.html?doi=10.18814/epiiugs/2018/018016

[6] https://revistapesquisa.fapesp.br/a-ameaca-dos-microplasticos/

[7] https://revistapesquisa.fapesp.br/respirando-microplasticos/

[8] https://www.abequa.org.br/trabalhos/Anais_XV_ABEQUA.pdf

[9] https://revistas.ufpr.br/abequa/article/view/34828


Texto: Érika Cristina Nesta Silva e Caio Augusto Marques dos Santos

Edição: Diego Fernandes Terra Machado

Arte da Capa: Diego Fernandes Terra Machado


Leia também:

XIV Seminário sobre Conservação do Solo e Proteção dos Recursos Naturais

por Diego F.T. Machado – Conservação do Solo e Proteção dos Recursos Naturais: Um Compromisso para um Futuro Sustentável

No dia 14 de março de 2023, foi realizado o XIV Seminário sobre Conservação do Solo e Proteção dos Recursos Naturais, no auditório do Instituto Agronômico (IAC), em Campinas/SP.

O evento reuniu profissionais e pesquisadores de diversas áreas, dos setores público e privado, com o objetivo de discutir a importância da conservação dos solos e a adoção de práticas mais sustentáveis na agricultura.

Em parceria com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA), Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), Instituto Agronômico (IAC) Instituto de Geociências (IG) e Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri)/Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Fundação de Amparo à Pesquisa Agrícola (Fundag), o evento foi integrado às comemorações do Dia Nacional da Conservação do Solo, celebrado em 15 de abril.

Sede do Instituto Agronômico (IAC). | Foto: Diego F.T. Machado

A conservação do solo é um desafio global

De acordo com um relatório produzido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) no ano de 2015, cerca de 33% dos solos do mundo estão degradados.

No estado de São Paulo, apesar dos esforços constantes voltados a mitigação dos processos de degradação dos solos, ainda há uma grande parcela de solos mal conservados e degradados.

Durante o evento, foram apresentados casos de sucesso na aplicação de práticas voltadas à difusão de conhecimento e técnicas para a produção com menor impacto e intervenções voltadas à conservação dos solos.

Destaques do Evento

Os Seminários

A solenidade de abertura contou com a fala do Secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Antonio Junqueira, da pesquisadora Isabella Clerici De Maria e do pesquisador Afonso Peche Filho, ambos do Instituto Agronômico (IAC).

O Laboratório de Pedologia (LABPED) do Instituto de Geociências da UNICAMP realizou uma mostra com recursos pedagógicos vinculados ao projeto financiado pelo CNPQ (PIBIC-EM) ‘Coleção de Monolitos de Solos’, que tem como objetivo a difusão de conhecimento científico sobre temas pertinentes aos Solos. A palestra conduzida por Diego F.T. Machado, Doutorando em Geografia (IG|UNICAMP), destacou a necessidade de desenvolver e sistematizar conhecimento sobre solos de modo contextualizado e a importância da utilização de recursos didáticos como os apresentados no evento, para fortalecer a difusão de conhecimentos pertinentes à conservação dos solos (Para saber mais).

Exposição Monolito – apresentada ao Publico durante o evento realizado no Instituto Agronômico de Campinas. | Foto: Diego F.T. Machado

Na sequência Daniel Malheiros do Nascimento (CDA/SAA) apresentou os benefícios dos Sistemas Integrados de Produção na Conservação do Solo, dando destaque para como a adoção de tais práticas podem apoiar o aumento da produção agrícola, e ao mesmo tempo recuperar e preservar o meio ambiente (Para saber mais).

Outro destaque do evento foi a apresentação do pesquisador do IAC, Roberto B.F. Branco. que trouxe uma perspectiva atual de produção baseada nas premissas do plantio direto e a adoção de plantas de cobertura, voltadas a produção de hortaliças. Roberto apresentou bons resultados obtidos com a aplicação do método do rolo-faca para o tombamento das plantas de cobertura como uma técnica promissora de controle de plantas daninhas em cultivos de hortaliças, com potencial para reduzir ou eliminar o uso de herbicidas (Para saber mais).

A aplicação de políticas publicas voltadas ao estimulo e valorização da adoção de práticas regenerativas e de conservação dos solos adotadas por agricultores, foi defendida pelo coordenado da CATI, Alexandre Manzoni Grassi. Tais ações visam consolidar a conservação do solo como uma política de estado em São Paulo. Algo que foi ressaltado por Gerson Cazentini Filho (CATI) ao debater sobre os instrumentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) com o Programa Solo+Fertil que busca aumentar a fertilidade dos solos paulistas (Para saber mais).

Faz-se importante ressaltar que a conservação do solo vai muito além do manejo nas glebas cultivadas. Pensar a gestão integrada das propriedades é fundamental, e isso inclui os caminhos que recortam as bacias. Nessa perspectiva, a fala de Cláudio Giusti de Souza (CATI) deu ênfase a importância da implementação de projetos adequados na construção de estradas rurais, visando a mitigação de processos de degradação dos solos, com destaque aos processos erosivos. (Para saber mais)

Encerrando o ciclo de palestras, Antoniane Arantes de Oliveira Roque (CATI) apresentou as bases que alicerçam programas de sucesso implementados pelo Estado de São Paulo, como linhas de financiamento e pagamento por serviços ambientais para a conservação do solo. Um destes programas, o Berços D´água, contam com modalidades de apoio na forma de subvenção econômica, correspondente ao reembolso parcial das despesas efetuadas pelos produtores rurais na adoção das práticas recomendadas (Para saber mais).

Os Minicursos

No período da tarde, dois minicursos encerraram as atividades. Denilson P. de Godoy e Marcelo T. Onoe (CATI) apresentaram algumas das práticas conservacionistas adotadas no escopo do programa Berços D’água e RADGE (Recuperação de Áreas Degradadas por Grandes Erosões) (Para saber mais). Por fim, Afonso Peche Filho (IAC) apresentou as bases científicas envolvidas nos processos de transição agroecológica, numa perspectiva de produção com menores impactos ambientais (Para saber mais).

Inspiração e Fortalecimento das Redes!

Os participantes puderam trocar ideias e compartilhar conhecimentos, enriquecendo o debate sobre a importância da conservação do solo e a necessidade de adoção de práticas sustentáveis na agricultura.

A disseminação de conhecimento técnico-científico e a promoção de políticas públicas voltadas à recuperação e conservação do solo foram destacadas por todos os participantes. A partir das falas realizadas ao longo do evento, é certo dizer que a conservação do solo é fundamental para garantir a sustentabilidade da agricultura a longo prazo, protegendo os recursos naturais e garantindo a produção de alimentos de forma mais sustentável.

Membros da comissão organizadora e palestrantes do XIV Seminário sobre Conservação do Solo e Proteção dos Recursos Naturais | Foto: Érika Cristina Nesta Silva

Além disso, é importante ressaltar a importância do engajamento de diferentes atores na promoção da conservação do solo. A participação ativa de produtores rurais, pesquisadores, extensionistas, órgãos governamentais, organizações não governamentais e demais envolvidos no setor agrícola é fundamental para disseminar práticas sustentáveis, promover políticas públicas adequadas e buscar soluções inovadoras para os desafios enfrentados na conservação do solo.

Ao final do evento, os participantes saíram inspirados e motivados a contribuir para difusão de ideias e práticas mais sustentáveis para agricultura, visando a conservação do solo e a proteção dos recursos naturais. A troca de experiências e conhecimentos entre os participantes contribuiu para ampliar a conscientização sobre a importância da conservação do solo e para incentivar a adoção de práticas mais sustentáveis na agricultura.


Texto e Edição: Diego Fernandes Terra Machado


Conheça o projeto Monolitos de Solos do Instituto de Geociências da UNICAMP

Conservação do solo e proteção dos recursos naturais é tema de Seminário realizado pela CATI, pelo IAC e por parceiros

 Cleusa Pinheiro – Jornalista MTB 28.487 – Centro de Comunicação Rural (Cecor)/CATI/SAA – cleusa.pinheiro@sp.gov.br

Em sua 14.ª edição, o tema central do Seminário será a revitalização da conservação do solo e da água, com foco no redesenho do uso e manejo do solo em áreas urbanas e rurais. O evento acontece no dia 14 de abril, as inscrições são gratuitas e com direito a certificado.

Integrando as comemorações do Dia Nacional da Conservação do Solo, celebrado em 15 de abril e instituído por lei federal em 1989, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA), por meio da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) e do Instituto Agronômico (IAC)/Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), ao lado de parceiros – Defesa Agropecuária (CDA)/SAA, Instituto de Geociências (IG) e Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri)/Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Fundação de Amparo à Pesquisa Agrícola (Fundag) -, realizam, no próximo dia 14 de abril, o XIV Seminário de Conservação do Solo e Recursos Naturais.

“A segurança alimentar e os serviços ecossistêmicos são fundamentais para nosso desenvolvimento e dependem diretamente da conservação do solo e da água, tema que vem sendo estudado, avaliado e debatido, aprimorando o conhecimento de técnicas para redução da erosão, bem como para manutenção da saúde do solo”, ressalta Isabella Clerici De Maria, pesquisadora do IAC.

Segundo Antoniane Arantes de Oliveira Roque, líder do Grupo Técnico de Conservação do Solo e da Água da CATI e um dos organizadores do evento, “muitos esforços para divulgar e implementar projetos têm sido feitos pelo poder público, pelos produtores e por entidades públicas e privadas. No entanto ainda há uma grande extensão de solos mal-conservados e degradados no Estado de São Paulo”.

Processo de erosão linear – Voçoroca – no município de São Pedro – SP

Nesse contexto, Antoniane ressalta que o objetivo do evento é divulgar soluções, projetos com bons resultados e conceitos que não podem ser esquecidos, os quais devem estar no cotidiano da ocupação territorial rural. “Além disso, o Seminário visa reciclar o conhecimento de pesquisadores, técnicos, produtores rurais, estudantes e demais interessados; divulgar as políticas públicas oferecidas pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento voltadas à recuperação e conservação do solo, como o Programa Solo+Fértil e o Programa de Pagamento por Serviços Ambientais, que engloba os projetos Águas Rurais e Berços d’Água – Recuperação de Áreas Degradadas por Grandes Erosões (Radge), além de sensibilizar a sociedade em geral quanto à necessidade de conscientização sobre essa temática”.

Programação

Durante o evento, o secretário de Agricultura e Abastecimento, Antonio Julio Junqueira de Queiroz, e o coordenador da CATI, Alexandre Manzoni Grassi, falarão sobre “A conservação do solo como política de estado”, reportando-se às linhas de crédito disponíveis e aos programas e projetos desenvolvidos pela SAA.

Na parte da manhã, os demais temas serão apresentados por técnicos da CATI e pesquisadores do IAC/APTA e do Instituto de Geociências da Unicamp. “Revitalização da Conservação do Solo e da Água” será o tema da palestra dos pesquisadores do IAC/APTA, Isabela Clerici De Maria e Afonso Peche Filho. A programação matutina acontece no Auditório do IAC, na Av. Barão de Itapura, 1481.

O período da tarde (das 14h às 17h20) está reservado para os minicursos que serão realizados no Centro Experimental do Instituto Agronômico ─ Fazenda Santa Elisa, localizada na Avenida Theodureto de Almeida Camargo, 1500. “Propriedade rural como um berço d´água é o tema do minicurso conduzido pelos extensionistas da CATI Regional General Salgado, Denilson Perpétuo de Godoy e Marcelo Takashi Onoe.

Interessados podem participar gratuitamente, com direito a certificado, se inscrevendo pelo linkhttps://forms.office.com/r/vF0V5jPt8K

As inscrições para os minicursos podem ser feitas durante o evento.

Serviço

XIV apta de Conservação do Solo e Recursos Naturais

Data: 14/4/2023

Horário: Das 8h às 17h20

Local: Auditório do IAC – Av. Barão de Itapura, 1481 – Manhã | Centro Experimental/Fazenda Santa Elisa/IAC – Av. Theodureto de Almeida Camargo, 1500 – Tarde

Inscrições: https://forms.office.com/r/vF0V5jPt8K | Evento gratuito, com certificado

Solo não é sujeira – esse foi o tema da exposição organizada pelo LABPED durante o UPA 2022

por Diego F.T. Machado

No dia 27 de agosto, mais de mil pessoas visitaram o Instituto de Geociências durante o Unicamp de Portas Abertas 2022.


Milhares de alunos do ensino médio participaram do UNICAMP de Portas Abertas, evento anual que tem por objetivo apresentar aos alunos a diversidade de cursos e pesquisas desenvolvidas nos Institutos e Departamentos da Universidade Estadual de Campinas.

Ao longo do dia, cerca de 1160 pessoas visitaram o Instituto de Geociências e tiveram acesso a oficinas, palestras, exposição e interação entre estudantes e professores do IG e aqueles que buscam uma vaga nos diversos cursos da Universidade.

O tema da atividade proposta pela equipe do LABPED foi, “Solo não é Sujeira“. Buscou-se apresentar a diversidade de solos e suas características, demonstrando a importância na identificação, caracterização e espacialização dos diferentes tipos de solo para um uso mais sustentável das terras.

Equipe LABPED no UPA 2022

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Sobre as atividades

A oficina contou com a exposição da Coleção de Monólitos de Solos, projeto em andamento que tem por objetivo apresentar as principais ordens de solo que ocorrem no Município de Campinas – SP e complementarmente, no Brasil.

Os participantes puderam ter uma noção do processo de evolução dos solos, através de uma sequência didática, partindo desde solos pouco desenvolvidos como Neossolos e Cambissolos até os mais intemperizados, como Argissolos e Latossolos.

Um experimento para demonstrar os efeitos da compactação permitiu aos visitantes observar o impacto que este tipo de degradação pode causa no desenvolvimento das raízes das plantas nas características dos solos.

Além disso, durante a oficina de pintura com tintas a base de solos, através de uma abordagem mais lúdica, os alunos puderam conhecer um pouco mais sobre algumas das propriedades que atribuem diferentes características aos solos, como sua composição granulométrica e seus agentes pigmentantes.

Experimento sobre compactação do solo

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Texto e Edição: Diego Fernandes Terra Machado


Conheça o projeto Monolitos de Solos do Instituto de Geociências da UNICAMP

O que são os terrenos tecnogênicos e como eles se relacionam com a perspectiva do Antropoceno?

por: Érika Cristina Nesta Silva –

Um olhar sobre o impacto dos seres humanos a partir das formas destruídas, produzidas e/ou alteradas na superfície terrestre.


Nos últimos anos temos visto, em diversos meios, o quanto a sociedade tem alterado as características naturais de diferentes paisagens, no decorrer do processo de produção do espaço. Nesse sentido, incluem-se as modificações nos aspectos climáticos, da biodiversidade, dos solos, dos relevos, dos componentes geológicos, etc.

Com particular atenção à geomorfologia, geologia e pedologia, a perspectiva dos terrenos tecnogênicos surge como uma possibilidade de classificar e interpretar os resultados da ação da sociedade nos processos e elementos relativos à superfície terrestre.

Cabe observar que quando falamos de “sociedade” não estamos nos referindo a um humano genérico, mas sim, ao estudar essas e outras modificações na paisagem, precisamos sempre esclarecer de QUAL ser humano estamos falando, ou melhor, a qual classe e fração de classe social pertence, especificamente, esses seres humanos que estão causando as modificações e aqueles que estão se beneficiando ou sofrendo as consequências dessas ações.

Os Terrenos Tecnogênicos

A perspectiva de estudo considerando especificamente a terminologia “Terrenos Tecnogênicos” passa a ter destaque no Brasil em 2014 (PELOGGIA et al., 2014), a partir de um artigo publicado com o intuito de propor e discutir uma classificação geológica de terrenos artificiais, ou seja, daqueles terrenos formados e/ou alterados pela ação do ser humano, em situações que resultaram na intensificação de processos erosivos e deposicionais diversos, cortes e aterros originados por ação mecânica direta, além da própria alteração in situ, a exemplo de contaminações, compactações, etc.

Neste processo de discussão e classificação, os autores utilizaram diferentes referenciais, dentre os quais de origem britânica, estudos soviéticos e do leste europeu. Portanto, houve no decorrer da escrita desse artigo, a tentativa de abarcar as diversas situações de geotecnogênese, referente a alterações nos solos, nos sedimentos, nos aspectos geológicos, como cortes nas rochas e mineração, e no relevo. Essa classificação passou por algumas atualizações e hoje boa parte dos trabalhos utilizam a publicada em Peloggia (2017) (Quadro 1).

Geotecnogênese : conjunto da ação humana transformadora sobre o ambiente, envolvendo a alteração dos processos da dinâmica externa, sejam estes erosivos ou deposicionais, resultando na criação de formas de relevo (tecnogênico) e na formação dos depósitos tecnogênicos. (PELOGGIA; OLIVEIRA, 2005).

Classificação de Terrenos Tecnogênicos (Antropogênicos) para a mapeamento geológico e geomorfológico - Fonte: Peloggia (2017).
Quadro 1: Classificação de Terrenos Tecnogênicos (Antropogênicos) para a mapeamento geológico e geomorfológico – Fonte: Peloggia (2017).

O Antropoceno

Ao passo que não dá mais para negar que a sociedade, com suas diversas possibilidades técnicas, tem imprimindo sua marca nas paisagens, surge no início dos anos 2000 a ideia do Antropoceno (CRUTZEN; STOERMER, 2000; CRUTZEN, 2002).

Interpretações e proposições mais recentes, que vem sendo discutidas em diversas esferas, como dentro da Subcommission on Quaternary Stratigraphy (em particular os trabalhos de pesquisadores que fazem parte do Anthropocene Working Group) trabalham com a possibilidade do Antropoceno ser uma nova época geológica, ainda incluída no período Quaternário.

Esta nova época Geológica teria  provável início na metade do século XX, momento a partir do qual intensificam as “assinaturas”, ou melhor, evidências das ações da sociedade nos solos, na elaboração de depósitos artificias, na presença de novos tipos de “minerais” em diversos ambientes, em “antroturbação” (interpretada como uma bioturbação de origem humana), em alterações relativas à elevação do nível do mar, nas alterações geoquímicas na criosfera e nos espeleotemas, além de contaminações nos solos e precipitações de radiogênicos, em particular os específicos dos bombardeios e testes nucleares (WATERS et al., 2014).

“New Awful Changes – the human geological stratum rediscovered”. Acrílico e colagem sobre tela, 100 x 70 cm, por Alex Peloggia, 2018 (obra e explicação sobre ela disponível em: https://ppegeo.igc.usp.br/index.php/rig/issue/view/1228).
Observação sobre a imagem: se, no futuro, o ser humano deixasse de existir e outros seres estudassem o estrato geológico humano, quais seriam as interpretações possíveis sobre as características da espécie humana e de suas diferentes culturas, a partir o registro material? Parte importante desses registros estaria relacionada ao que se está denominando de época do Antropoceno

Mas quais são as possíveis relações dos terrenos tecnogênicos com o Antropoceno?

Uma das principais relações que podemos destacar é que boa parte das evidências relativas ao Antropoceno podem ser encontradas em terrenos tecnogênicos de agradação, como a presença de novos materiais, especialmente plástico e concreto (este último não necessariamente novo, mas mais amplamente utilizado em construções pós Segunda Guerra Mundial, como em reconstruções em cidades europeias). Estes materiais são encontrados em diferentes ambientes (Figura 1), inclusive em aterros, bancos de sedimentos em áreas de planícies aluviais (isso só para destacar a relação com terrenos tecnogênicos, fora a presença, especialmente dos plásticos, em ambientes que teoricamente não possuem ocupação humana direta, mas que foram transportados pelos oceanos).

área com deposição tecnogênica
Figura 1: Exemplo de área com deposição tecnogênica (terreno tecnogênico de agradação) Fonte: Silva (2017).

De acordo como Peloggia (2017), do ponto de vista geológico-geomorfológico, os terrenos tecnogênicos podem ser classificados como em quatro classes:

Agradação – resultantes da acumulação de material

Degradação – remoção ou deslocamento de material

Modificados – derivados da transformação in situ do material

Complexos – terrenos com sobreposição de diferentes ações (agradação e/ou degradação).

Muitos desses materiais, cujo uso cresce vertiginosamente após a metade do século XX (Figura 2), permanecerão nos ambientes como testemunho, numa perspectiva futura arqueológica, das características das sociedades atuais. Ainda em relação a essas deposições, Waters et al. (2018) trabalham com a ideia de que essas áreas de deposições originadas pela ação humana podem ser consideradas entre os possíveis paleoambientes que abarcam marcadores estratigráficos relativos ao Antropoceno.

Figura 2: Crescimento da produção de plásticos desde 1950 – Fonte: Revista Fapesp (https://revistapesquisa.fapesp.br/a-era-humana)

Já no caso de terrenos que tiveram retirada de material em subsuperfície para instalação de infraestruturas como tubulações e linhas de metrô, em muito se conectam com a ideia da “antroturbação”.

Além disso, mesmo áreas teoricamente “naturais”, com pouca ou nenhuma mobilização de materiais, nas quais os terrenos tecnogênicos são classificados como “modificados”, podem ter sofrido processos de contaminações e modificações de suas características geoquímicas, como no caso da precipitação de radiogênicos relativos aos testes nucleares.

Há, portanto, diversas possibilidades de conexão dos estudos acerca dos terrenos tecnogênicos com a proposta do Antropoceno como nova época geológica, bem como essas possibilidades podem ser ampliadas conforme os estudos avancem nessa área, a partir do reconhecimento de novos tipos e níveis de interação da sociedade com os demais componentes e processos das paisagens.


Referências bibliográficas

CRUTZEN, P. J. Geology of mankind: the Anthropocene. Nature 415, 23, 2002.

CRUTZEN, P. J. & STOERMER, E. F. The Anthropocene. Global Change Newsl. 41, p. 17–18, 2000.

PELOGGIA, Alex Ubiratan Goossens. O que produzimos sob nossos pés? Uma revisão comparativa dos conceitos fundamentais referentes a solos e terrenos antropogênicos. Revista Geociências-UNG-Ser, v. 16, n. 1, p. 102-127, 2017.

PELOGGIA, A. U. G.; OLIVEIRA, A. M. S. Tecnógeno: um novo campo de estudos das geociências. I Encontro de Tecnólogos. ABEQUA, 2005

PELOGGIA, A. U. G.; OLIVEIRA, A. M. S.; OLIVEIRA, A. A.; SILVA, E. C. N., NUNES, J. O. R.  Technogenic geodiversity: a proposal on the classification of artificial ground. Revista Quaternary and Environmental Geosciences, Curitiba, v.5, n.1, p. 28-40, 2014.

SILVA, E.C.N. Reconstituição Geomorfológica do Relevo Tecnogênico em Presidente Prudente-SP. 2017, 246f. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista.

WATERS, C. N.; ZALASIEWICZ, J.; SUMMERHAYES, C.; FAIRCHILD, I. J.; ROSE, N. L.; LOADER, N. J.; SHOTYK, W.; CEARRETA, A.; HEAD, M. J.; SYVITSKI, J. P. M.; WILLIAMS, M.; WAGREICH, M.; BARNOSKY, A. D.; ZHISHENG, A.; LEINFELDER, R.; JEANDEL, C.; GAŁUSZKA, A.; IVAR DO SUL, J. A.; GRADSTEIN, F.; STEFFEN, W.; MCNEILLS, J. R.; WING, S.; POIRIER, C.; EDGEWORTH, M. Global Boundary Stratotype Section and Point (GSSP) for the Anthropocene Series: Where and how to look for potential candidates. Earth-Science Reviews, v.178, p. 379–429, 2018.

WATERS, C. N.; ZALASIEWICZ, J. A.; WILLIAMS, M.; ELLIS, M. A.; SNELLING, A. M. A stratigraphical basis for the Anthropocene? In: WATERS, C. N.; ZALASIEWICZ, J. A.; WILLIAMS, M.; ELLIS, M. A.; SNELLING, A. M. A Stratigraphical Basis for the Anthropocene. London: Geological Society; Special Publications, 2014.


Texto: Érika Cristina Nesta Silva

Edição: Diego Fernandes Terra Machado


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Dia da conservação do Solo e da Água

por: Baldoino Neto –

Uma data para lembrar a necessidade de se proteger um dos nossos recursos naturais mais importantes.


Em 15 de abril é comemorado o Dia da Conservação do Solo. A data foi escolhida em homenagem ao nascimento de Hugh Hammond Bennett (15 de abril de 1881 – 7 de julho de 1960), considerado o pai da conservação dos solos nos Estados Unidos e o criador do Serviço de Conservação de Solos americano.

Hugh Hammond Bennett liderou o movimento de conservação do solo nos Estados Unidos nas décadas de 1920 e 1930, instigou a nação a enfrentar a “ameaça nacional” da erosão do solo e criou uma nova agência federal, atuando como seu primeiro chefe – o Serviço de Conservação do Solo, agora Departamento de Agricultura do Serviço de Conservação de Recursos Naturais dos EUA. Ele é considerado hoje o pai da conservação do solo. Durante sua experiência em campo, ao comparar áreas virgens e arborizadas com campos erodidos, ele se convenceu de que a erosão do solo era um problema, não apenas para o agricultor, mas também para as economias rurais. (NCRS – USDA: Hugh Hammond Bennett Biography)

A data é celebrada no Brasil, desde 1989, com o objetivo de fomentar e demonstrar a importância de termos diversos cuidados para mantermos saudável esse recurso natural que é de fundamental importância para a produção de alimentos, manutenção das florestas, conservação da água, entre tantas outras interações com o ecossistema.

As atividades humanas têm impactado crescentemente a conservação dos solos. Retirada de florestas e a utilização da terra para agricultura e pastagem são apenas algumas das ações que modificam a sua estrutura e todo o equilíbrio ambiental, e afetam não só animais e florestas como os próprios homens.

O exemplo mais visível disso ultimamente tem sido a questão urgente da água. A escassez do recurso, seja aqui no Brasil e ou em outras partes do mundo, invariavelmente tem uma coisa em comum: o mau uso do solo, provocando seu desgaste e erosão, retirando dele a capacidade de renovação.

Ao ficar exposto aos efeitos climáticos, sem cobertura vegetal e sem o manejo adequado, o solo não cumpre efetivamente com a sua função básica de “produzir” água: garantir a infiltração da água e recarregar o lençol freático, que alimenta as nascentes e os rios, que, por sua vez abastecem reservatórios.

Segundo relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), cerca de 1/3 dos solos do mundo estão degradados por erosão, salinização, compactação, acidificação e contaminação, bem como por influência das mudanças climáticas.

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O solos estão sendo degradados em diversos locais no planeta. Atualmente, a Europa apresenta a maior proporção com relação aos demais continentes, isso por conta de sua longa história de uso intensivo dos solos pela agricultura. Todavia, a degradação está avançando rapidamente nos países em desenvolvimento na África e Ásia. Fontes: Dados do United Nations Environment Programme (UNEP), 2002. Global Environmental Outlook 3. London.

Entre as principais consequências, estão o agravamento das enchentes, a perda de fertilidade e, consequentemente, a redução na produtividade agrícola.

De acordo com a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura:

Cerca de 33% do solo mundial está degradado.

A degradação do solo afeta pelo menos 3,2 bilhões de pessoas, o que equivale a 40% da população mundial.

A cada 5 segundos, o mundo perde uma quantidade de solo equivalente a um campo de futebol.

A ONU alerta para a redução de até 8% ao ano no PIB de países em desenvolvimento quando ocorre o manejo inadequado do solo.

Cerca de 95% dos alimentos produzidos vêm da terra. A produção de alimentos terá de aumentar em aproximadamente 60% para alimentar a população mundial no ano de 2050, ou seja, aproximadamente 30% maior que a atual.

A Erosão dos solos é o principal tipo de degradação dos solos em escala mundial. – Voçoroca no município de São Roque de Minas – MG (Diego F.T. Machado, 2021)

Quando utilizados de forma sustentável, os solos podem desempenhar um papel importante na diminuição das alterações climáticas, por meio da captura de carbono e outros gases do efeito estufa.

A ONU alerta para a redução de até 8% ao ano no PIB de países em desenvolvimento quando ocorre o manejo inadequado do solo.

O planeta perde 24 bilhões de toneladas de solo fértil por ano, levando à desertificação de grandes áreas, desequilíbrio ambiental e ao prejuízo para a saúde humana.


Fontes:

https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/11582581/dia-nacional-da-conservacao-do-solo-sua-historia-e-um-alerta-da-fao

https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/11618575/no-dia-nacional-da-conservacao-do-solo-a-embrapa-confirma-compromisso-com-pesquisas-na-area

https://wedocs.unep.org/handle/20.500.11822/8609

https://www.nrcs.usda.gov/wps/portal/nrcs/detail/national/about/history/?cid=nrcs143_021410


Texto: Baldoino Neto

Edição: Diego F. T. Machado

Destaques do Dia Mundial dos Solos 2021

por: Diego F. T. Machado.

A FAO publicou recentemente o relatório da campanha de 2021 do Dia Mundial do Solos, e mais uma vez o Brasil se destacou no número de iniciativas.


No dia 05 de dezembro é comemorado o Dia Mundial do Solo, evidenciando a importância de solos saudáveis para uma vida saudável.

O tema proposto para 2021 foi “Halt Soil Salinization, boos soil productivity” (Impedir a salinização dos solos para aprimorar a produtividade).

A salinização reduz muito a produtividade do solo e a prestação de serviços ecossistêmicos. com estas desafios em mente, os participantes se reuniram para trocar seu conhecimento, experiência, interesse e compromisso com a proteção e gestão dos solos do nosso planeta para que sejam preservados para as gerações futuras.

Os eventos ao redor do mundo

Diversos foram as abordagens utilizadas para abordar a importância da preservação e conservação dos solos ao redor do globo.

A campanha alcançou milhões de pessoas na República Popular da China (126 eventos), Índia (67), Reino da Tailândia (62), Brasil (50), México (29), Espanha (27), Paquistão (19) bem como nos Estados Unidos da América e na Itália (13). Outros países com Argentina, Irã, Indonésia, Cuba, Turquia. Equador, Portugal, Peru, Egito, Ucrânia, Malásia, Polônia e Bolívia, também foram representados durante as celebrações.

Concurso de Livros Infantis

Foram 27 fantásticos livros recebidos de 14 países. Os livros estão disponíveis para download apenas na versão em língua inglesa no site da FAO (Acesse). Os três primeiros colocados foram:

O primeiro classificado foi “The Beetles: a Salty Soil Journey” de Teresa Porter, Franco López Campomane e Lewis Fausak da University of British Columbia, Canadá;

Em segundo lugar: “Solo Extraordinário da Terra para Todos os Organismos Vivos. Aprendendo, pensando e agindo!” por Marcela Bianchessi da Cunha Santino, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Brasil;

O Terceiro classificado: “Por que não se pode plantar nos campos?” por Song Zikang, Universidade de Geociências da China, República Popular da China (RPC).

Brasil ganha destaque nas comemorações do WSD

Mais uma vez o Brasil fica entre os países com maior número de iniciativas voltadas as comemorações do Dia Mundial dos Solos (WSD). Foram 50 atividades registradas no site da F.A.O., além de cinco livros inscritos no concurso de Livro Infantis.

Solo Extraordinário da Terra para Todos os Organismos Vivos. Aprendendo, pensando e agindo! por Marcela Bianchessi da Cunha Santino, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); (baixe aqui).

Get out of here, salinity, leave mu soil alone, de Adriana de Fátima e Rivaldo Vital; (ENG – baixe aqui) (PT-BR – baixe aqui).

Solinho in the Caatinga. Halt soil salinization, Boost soil productivity, de Bruna Arruda, Marcia Vidal Candido Frozza, Nayana Alves Pereira, Clécia Cristina Barbosa Guimarães, Aldeir Ronaldo Silva, Antonio Carlos de Azevedo, Tiago Ramos de Azevedo, Josiane Millani Lopes Mazzetto, Wilfrand Freney Bejarano Herrera, Beatriz Rosa Chiodeli e Cyan Turner; (ENGbaixe aqui).

The History of Rocky, the Soil, DE Bruna Vicente; (ENG – baixe aqui).

The fun soil profiles in: How to reduce soil salinization to increase productivity, de Adriana Ribon; (ENG – baixe aqui).

Dentre os eventos, o LABPED organizou o III Seminário Solos, Ambiente e Sociedade. Foram realizados painéis debatendo a importância da educação e solos, a importância da divulgação científica e das políticas públicas voltadas a inventariação e planejamento para o uso do solo como recurso. Além disso, palestras abordando as propriedades e cuidados com solos salinos foram conduzidas por experientes profissionais e cientistas.

Todo material pode ser acessado no site ou no canal no YouTube.

Glinka World Soil Prize

O prêmio anual concedido desde 2016 a pesquisadores por suas contribuições diretas para a preservação do meio ambiente, segurança alimentar e redução da pobreza.

A Dra. Lydie-Stella Koutika foi a vencedora da edição de 2021. Ela é uma conhecida cientista do solo da República do Congo com mais de 30 anos de experiência em pesquisa aplicada em agroecossistemas.

Lydie-Stella Koutika Fonte: Reprodução FAO World Soil Day – 5 December 2021. Campaign Report

Sua pesquisa se concentra na saúde do solo e nos processos de degradação para combater a insegurança alimentar e promover a mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

O prémio reconhece a sua contribuição para melhorar e expandir o conhecimento dos solos africanos e o impacto considerável que teve na comunidade científica e nos meios de subsistência dos agricultores.

Prêmio King Bhumibol

Lançado em 2018, o Prêmio do Dia Mundial do Solo King Bhumibol reconhece indivíduos ou instituições que aumentam a conscientização pública sobre os solos, organizando celebrações bem-sucedidas e influentes do Dia Mundial do Solo.

O Instituto de Ciência do Solo da Nigéria (NISS) ganhou a edição de 2021 por seu compromisso em aumentar a conscientização sobre a importância de solos saudáveis.

Nigeria Institute of Soil Science (NISS) Fonte: Reprodução FAO World Soil Day – 5 December 2021. Campaign Report

O NISS é a organização responsável pela coordenação, orientação e gestão daqueles que trabalham em ciência do solo, pesquisa e educação na Nigéria.

O NISS organizou uma série de eventos envolvendo diferentes atores em todos os setores; projetos educacionais em escolas primárias e secundárias, comícios, caminhadas, conferências de especialistas, simpósios, oficinas, apresentações artísticas, ensaios em fazendas e exibições.

As celebrações foram amplamente divulgadas online e foram divulgadas por seis jornais nacionais, atingindo cerca de meio milhão de pessoas na Nigéria.


Fonte: World Soil Day – 5 December 2021. Campaign Report


Descrição morfológica do solo – com Peter Schad

por: Diego F. T. Machado

É hora de afiar os sentidos e colocar as mãos na massa (ou no solo)


A descrição de solos é o primeiro passo para uma diversidade de estudos pedológicos. Compreender como se dá a organização de suas fases e suas expressões morfológicas é fundamental para sua classificação. Além disso, esse procedimento investigativo pode fornecer diversas informações sobre sua formação e seu comportamento em relação ao uso agrícola.

A caracterização dos solos em campo segue padrões já bem estabelecidos. No Brasil, tomamos como referência o Manual de Descrição e Coleta de Solo no Campo, o Manual Técnico de Pedologia (IBGE), além Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS).

Tradicionalmente a descrição morfológica do solo é baseada naquelas propriedades detectadas pelos sentidos, sobretudo visão e tato, e em alguns casos, audição.

O professor Peter Schad, (Technische Universität München) presidente do grupo de trabalho IUSS WRB (Base de Referência Mundial para Recursos de Solos) produziu um vídeo didático demonstrando os procedimentos para a caracterização morfológica de solos.

Os vídeos podem ser assistidos no YouTube, nas versões em inglês e espanhol. Foram utilizadas as Diretrizes da FAO (2006) para descrição do solo e o WRB (2015) para classificação do solo.

Em sua apresentação, Peter Schad apresenta uma interessante abordagem para a classificação expedia da textura do solo. O fluxograma com as orientações está disponível nas versões em Inglês e Espanhol (Acesse).

The Ultimate Soil Texture Flow Chart (USTF)© Vincent Buness, Peter Schad, Margaretha Rau; Technical University of Munich 11 January 2022
TUM Edafología: Descripción de suelos (Guía FAO 2006) y clasificación de suelos (WRB 2015) – Lehrstuhl für Bodenkunde, TU München

Novo observatório para trazer o “solo das profundezas”

por: Francisco Ladeira.

Ecotron moverá núcleos de 3 metros de solo para o laboratório para experimentos de mudanças climáticas globais


No dia 12 de outubro, a revista Science publicou uma interessante reportagem sobre solos . Trata-se de um projeto em início de desenvolvimento na Universidade de Idaho, denominado Deep Soil Ecotron. A ideia central é trazer, para o laboratório, colunas completas de solo de até 3 metros e aí, sob condições controladas, acompanhar seu desenvolvimento, tanto em suas características bióticas quanto abióticas.

Um Ecotron é um tipo de experimento criado para estudar o impacto do clima nos ecossistemas e nos processos de biodiversidade. Geralmente é composto por várias unidades experimentais idênticas, que permitem a contenção do ecossistema, o controle das condições ambientais e a medição online dos processos ecofisiológicos.

Imagem: Laboratório com esferas ecossistêmicas para pesquisa climática no Parque Nacional Hoge Kempen. Reprodução Universidade de Hasselt

Ecotron CNRS

Os motivos para realizar este acompanhamento são diversos. Parcela significativa dos estudos sobre solos se concentra especialmente em seus primeiros 30 centímetros, pois aí está o principal nível com interesse para o desenvolvimento das diferentes atividades agrícolas. Abaixo disso, o solo é, comparativamente, muito menos conhecido.

O solo, além da sua porção superficial, é crítico para alterações climáticas, para a qualidade da água, manutenção dos ecossistemas e até para a produção mineral. Mas o perfil de solo, como um todo, é incrivelmente difícil de estudar. Escavar uma trincheira sem perturbar sua estrutura e habitantes é praticamente impossível. Quanto mais fundo se vai, mais difícil é. 

Para tentar solucionar estes problemas. A U.S. National Science Foundation irá financiar o Ecotron com um valor total de US$ 19 milhões. O novo laboratório permitirá aos pesquisadores manipular uma série de fatores em colunas hermeticamente fechadas e controladas, incluindo temperatura, umidade e concentrações de dióxido de carbono (que influenciam o desgaste das rochas e a formação do solo). Eles serão capazes de simular a ressurgência das águas subterrâneas e talvez até mesmo os ciclos de congelamento e descongelamento que podem acelerar o desenvolvimento do solo. Também poderão acompanhar os organismos vivos presentes na coluna.

Renderização artística da instalação de Deep Soil Ecotron financiada pela NSF. Até 24 ecounits serão alojados na Universidade de Idaho, equipados com analisadores de última geração para quantificar o fluxo de gases do efeito estufa, a química da água do solo, o crescimento das raízes e a micro e mesofauna do solo. Imagem: Reprodução deepsoilecotron.org

Para Emma Aronson da Universidade da Califórnia, Riverside, um dos pontos chaves é a possibilidade de estudar como o carbono no solo pode responder às mudanças climáticas futuras, simulando condições de mudança com um grau de controle que nunca visto antes. Os proponentes do projeto acreditam que os solos profundos aqueçam com o aquecimento da Terra, e experimentos de campo sugerem que isso pode fazer com que o solo libere carbono na atmosfera 30% a 50% mais rápido do que hoje, afetando diretamente o ciclo de carbono.

O laboratório estará pronto em 5 anos e terá capacidade para 24 colunas de solo, incluindo a vegetação de cobertura. Uma empresa já está testando alternativas para a coleta em campo das colunas de até 3 metros, desafio significativo pois esta terá que ser a menos perturbada possível. Mesmo assim haverá perturbações, pois, raízes serão cortadas e porções inferiores do solo serão expostas na superfície. E claro, uma coluna em um laboratório não “funcionará” exatamente como um solo posicionado na paisagem. De qualquer forma os avanços científicos para o conhecimento do funcionamento do solo serão significativos.


Sobre o autor

Francisco Sergio Bernardes Ladeira

Graduou-se bacharel em Geografia pela Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho (1989), mestre em Geografia (Geografia Física) pela Universidade de São Paulo (1995) e doutor em Geografia (Geografia Física) pela Universidade de São Paulo (2001). Atualmente é MS-3.2 da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Paleopedologia, Superfícies Geomorfológicas e Relação Solo-Relevo.


Texto: Francisco S. B. Ladeira

Edição: Diego F. T. Machado