Capa do post

Além da Trincheira: uma experiência em sala de aula

Inúmeras são as possibilidades de se comunicar sobre ciência, e é essencial promover e praticar essa diversidade. Aqui, compartilhamos os desfechos de uma atividade educativa na disciplina de Pedologia, realizada por estudantes dos cursos de Geografia e Geologia do IG-UNICAMP.

por: Diego F. T. Machado


No Instituto de Geociências da UNICAMP, os cursos de Geografia (bacharelado e licenciatura) e Geologia foram criados no ano de 1997 e implementados no ano de 1998, quando receberam suas primeiras turmas, tanto no período diurno quanto no noturno.
A disciplina Pedologia (GF508) é obrigatória para todos estes cursos, tendo atualmente uma demanda básica de 50 alunos no período diurno e 30 alunos no noturno.

O oferecimento da mesma disciplina para os diferentes cursos(inclusive com a situação corriqueira dos alunos dos três cursos na mesma sala) provoca um desafio para o trabalho com os conteúdos, que devem ser tratados para um público com diferentes interesses. Desde o início da disciplina, temos enfrentado esse desafio, e isso tem influenciado os métodos de avaliação. Por isso, no ano de 2023, buscamos encorajar os alunos a demonstrarem os conhecimentos e habilidades adquiridos ao longo do semestre por meio de diferentes formas de comunicação.

Sobre a atividade

A inspiração surgiu, naturalmente, do efervescer das atuais formas de interações digitais, em um momento oportuno em que muito se discute sobrea importância de se extrapolar os limites da academia ao se discutir sobre os avanços científicos. Certamente, o debate é complexo e esses trabalhos não tem por objetivo aprofundar-se neste tema, no entanto é algo que demanda diferentes abordagens que vão além da escrita técnico científica. Nesse sentido, acreditamos ser valioso encorajar os alunos a explorarem diferentes fôrmas de transmitir o conhecimento.

Para tanto, foi orientado aos alunos matriculados na disciplina de Pedologia, que expressassem os conhecimentos adquiridos ao longo do semestre, com base em seus interesses particulares, sua percepção sobre os solos ou ainda sobre as relações que esses estabelecem com o meio.

Resultados obtidos

O material a seguir é um compilado dos resultados obtidos com a realização da atividade. Nos surpreendeu a diversidade de temas e as formas de comunicação apresentadas pelos alunos, aqui separados por: Tópicos em Ciência do Solo/Pedologia (11 trabalhos), Ilustrações (2 trabalhos), Poesia (1 trabalho), Entrevista (1trabalho), Fotos (10 trabalhos) e Panfletos (4 trabalhos).


Boa leitura!


Edição: Diego Fernandes Terra Machado

Arte da Capa: Diego Fernandes Terra Machado


Artigo discute ocupação humana inicial e mudanças geomorfológicas no sudeste do Brasil.

A pesquisa apresenta uma integração entre a caracterização da geologia, relevo, solos, sedimentos e de 600 artefatos de rocha lascada encontradas adjacentes a planície do rio Mogi-Guaçu, no centro do estado de São Paulo. Ocupação humana local pode ter se iniciado mais de 17 mil anos atrás. 


O artigo publicado na revista Journal of Quaternary Science [1] traz resultados parciais da pesquisa que está sendo conduzida pelo doutorando em Geografia, Pedro Michelutti Cheliz, vinculado ao LABPED | IG-UNICAMP. Nele, caracterizou-se que a ocupação humana de antigos caçadores-coletores ocorreu em encostas truncadas por movimentos laterais (~1200 m) e verticais (~5 m) do Rio Mogi-Guaçu durante o Quaternário Tardio, em uma área onde afloramentos rochosos são incomuns. Este contexto geológico favoreceu o acesso simultâneo de grupos humanos aos recursos proporcionados pela planície aluvial e pelas encostas.

Apenas artefatos de quartzo foram encontrados nos pontos mais profundos das escavações, enquanto nos segmentos intermediário e superior foram encontrados também artefatos de sílexito e arenito, sugerindo que houve mudanças nos materiais geológicos usados por estas antigas populações em paralelo as mudanças ambientais locais.

Os pesquisadores Gabriela Sartori e Pedro Michelutti nas escavações do sítio arqueológico Rincão I

No artigo se descreve como centenas de artefatos rochosos estão associados a paleossolos originários de colúvios datados por LOE* entre 20,3 e 5,5 mil anos. Essas idades são consistentes com os contextos paleopedológicos e geomorfológicos locais de mudanças paisagísticas e, em parte, controversas do ponto de vista dos modelos para a dispersão humana do sudeste do Brasil, que usualmente caracterizam idades menos antigas (entre 10 e 12 mil anos atrás) para a ocupação antrópica inicial deste setor do território nacional. 

Luminescência Opticamente Estimulada (LOE)

A datação por luminescência opticamente estimulada (LOE) é um método científico utilizado para estimar a idade de sedimentos que estiveram expostos à determinados tipos de radiação que se dispersam facilmente quando expostos a luz do sol. Desta maneira, podemos estimar o último momento em que estes materiais foram alcançados pela luz solar, e portanto estimar o tempo de deposição dos sedimentos. Esse método se baseia na medição da quantidade de radiação acumulada por grãos de quartzo, e compara-la com a taxa de emissão de radiação presente nos sedimentos. Ao comparar a quantidade de radiação acumulada nos grãos de quartzo com as taxas de emissão natural de radiação de outros minerais ali presentes, os cientistas podem determinar há quanto tempo o material foi soterrado, o que proporciona informações importantes sobre sua idade e história.
Alguns dos artefatos resgatados nas escavações, imagens dos trabalhos de campo e, ao centro, vista dos solos locais tal como observados no microscópio petrográfico

O artigo foi dedicado à memória de Manoel Martins (1959-2023), professor da rede pública de geografia e sociologia, que encantou e incentivou vocações e vidas de incontáveis estudantes na região de Araraquara, onde a pesquisa foi feita.


Artigo: Early anthropic occupation and geomorphological changes in South America: human–environment interactions and OSL data from the Rincão I site, southeastern Brazil

Leia mais aqui: [1] https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/jqs.3505


Edição: Diego Fernandes Terra Machado


Lateritas – múltiplas definições, múltiplos usos

por: Francisco Ladeira

Resultado da ação intensa do intemperismo, as lateritas são importantes indicadores de condições ambientais, com valor cultural agregado e um conceito mutante ao longo da história.


.

O termo laterita foi proposto por Buchanan em 1807, para identificar materiais, que na Índia, eram extraídos dos finais de vertentes, da parte inferior dos perfis de solos, que quando expostos ao sol tornavam-se extremamente duros e eram utilizados como material de construção (tijolos, vigas estruturais, base de rodovias e de estradas de ferro).

O uso do termo laterita foi se alterando ao longo do tempo, e chega mesmo a ser indicado que não seja usado, dado a diversidade de possibilidades de interpretações. Não é nosso objetivo aqui discutir esse e outros termos que surgiram ao longo do tempo, apesar de indicarmos abaixo diversos artigos que tiveram esse objetivo.

Usamos aqui também o termo ferricrete, em sua definição inicial, ou seja, qualquer material enriquecido em ferro em relação ao seu material de origem. Esse termo também já teve nova definição, para indicar concentrações ferruginosas decorrentes de acumulações absolutas de ferro. Isso exemplifica a complexidade do uso dos termos associados a estes materiais.

Francis Buchanan-Hamilton #
Possível aparência do Dr. Francis Buchanan, mais tarde Hamilton ou Hamilton-Buchanan. Cirurgião, agrimensor e botânico da Companhia das índias, publicou trabalhos sobre a geografia, a flora e a fauna da Índia, onde viveu e explorou desde o final do século 18 até 1815. Saiba mais! Foto: Reprodução Memim Encyclopedi

Resultado da ação intensa do intemperísmo!

De maneira geral Schellmann (1981) indica que estes materiais correspondem a “produtos de intensa alteração subaérea da rocha, cujo teor de ferro e/ou alumínio é maior e o de sílica é menor que a rocha parental. Estes consistem predominantemente de assembleias minerais de goethita, hematita, hidróxidos de alumínio, caulinita e quartzo”.

Estas características, apontadas por Schellmann, indicam que a ocorrência de lateritas estão associadas a climas quentes e úmidos, que ocorrem nas zonas intertropicais da Terra.

A zona de rubefação coincide com a área intertropical de formação de laterita (Tardy, 1993).

A intensidade dos processos de intemperismo químico nas zonas intertropicais é indicado por Stallard e Edmond (1983), Meybeck (1987) e Buss et al. (2017) que destacam que os trópicos recobrem cerca de 25% das terras emersas do planeta, entretanto, são responsáveis por cerca de 65% do fluxo de sílica dissolvida para os oceanos via processos de intemperismo químico.

Importantes indicadores da evolução da paisagem

Estes materiais só evoluem nestas condições, entretanto, atualmente ocorrem em diferentes regiões da Terra, como deserto do Saara ou porções da Sibéria. Desta forma, as lateritas são ótimos indicadores da deriva das placas tectônicas, pois estas lateritas se formaram em áreas tropicais e posteriormente a deriva das placas tectônicas teria posicionado estes materiais nestas regiões.

Essa possibilidade decorre do fato das lateritas serem, quando desidratadas, extremamente resistentes aos processos erosivos. Nas áreas tropicais, como no Brasil, vastas regiões possuem, nas áreas mais elevadas, espessos perfis de alteração com lateritas em seu topo.

No Brasil, diversas áreas elevadas topograficamente e com relevo plano a suave ondulado, apresentam como característica a ocorrência de lateritas nas bordas destas chapadas, que as ‘protegem’ dos processos erosivos, como no caso do Chapadão do Zagaia (MG). Foto: Acervo próprio

Apesar de serem encontradas nos topos de vertentes e escarpas, a laterita se forma nas áreas onde o lençol freático oscila durante muito tempo, ou seja, normalmente nas posições mais baixas do relevo.

As características de formação permitem utilizar as lateritas como importante indicador de condições paleotopográficas, paleoclimáticas, paleogeográficas e mais detalhadamente condições pedogenéticas.

A importância do fator tempo!

Quando as condições de formação se desenvolvem por longos períodos, em áreas tropicais úmidas, os perfis de alteração que recobrem as rochas frescas podem ser extremamente espessos, por vezes ultrapassando centenas de metros (Tricart, 1972; Scott e Pain, 2009) e são denominados de Perfis de Alteração Lateríticos ou apenas Perfis Lateríticos (BUT et al. 2009). Estes perfis de alteração normalmente estão associados a paleo-superfícies (BATTIAU- QUENEY, 1994).

Representação esquemática de um perfil laterítico coberto por um ferricrete (adaptado de Tardy, 1993)
Em cima – base do perfil laterítico afetando os depósitos da
Formação Marília; Em baixo – nível de mosqueamento posicionado acima dos sedimentos da Formação Marília. Fotos: Acervo próprio.

LATERITAS: Múltiplos usos…

As lateritas e perfis lateríticos e ferricretes foram utilizados como marcadores para correlações estratigráficas, para interpretações ambientais e paleoambientais, para análise da evolução geomorfológica, datações relativas de superfícies, indicadores de deriva continental, como marco para análises tectônicas, na produção de ouro, de ferro, de terras raras, do caulim, do níquel e como material de construção.

Pedreira de tijolos de Karaba (2009) - Autor: David Pace

Image 1 of 9

Esta é a pedreira de Karaba (Burkina Faso), onde os homens esculpem tijolos usando apenas picaretas de ferro de cabo curto. No quente sol equatorial, eles escavam o material que se tornará os blocos básicos de construção das casas e das paredes que estruturam as comunidades vizinhas.

LATERITAS: Múltiplas definições…

Diante do exposto, a laterita possui interesse para diferentes áreas de pesquisa de também econômicas, implicando que profissionais de diferentes áreas trabalharam com estes materiais. O resultado disso é que há uma grande diversidade de termos para nomear esta laterita, inclusive alguns termos possuem definições distintas em diferentes áreas do conhecimento e o mesmo termo foi alterando seu significado ao longo do tempo.

A título de exemplo há diversos trabalhos que discutem a questão relativa às diferenças terminológicas (THORP e BALDWIN, 1940; PENDLETON, 1941; PRESCOTT, 1954; SIVARAJASINGHAM et al., 1962; GERASIMOV e GLAZOVSKAYA, 1965; HAMMING, 1970; STEPHENS, 1971; PATON e WILLIAMS, 1972; HELGREN e BUTZER, 1977; SCHELLMANN, 1981, 1983; ALEVA, 1982, 1994; MILNES et al., 1985; OLLIER, 1988; TARDY E ROQUIN, 1992; TARDY, 1993; BOURMAN, 1993a, b; FIRMAN, 1994; YALLON, 1996; BOURMAN e OLLIER, 2002; AUGUSTIN, 2013; GHOSH e GUCHHAIT, 2020).

Na figura abaixo, é possível observar algumas das diferentes terminologias utilizadas. Assim a laterita de Buchanan passa a ter diferentes denominações, como ferricretes, duricrusts, couraças, cangas, entre outros. Por vezes estes termos aparecem na literatura como sinônimos, outras não, gerando grande confusão.

Comparação entre terminologias de um perfil laterítico com ferricrete Modificada de Anand & Paine (2002).

Ressalta-se que os pesquisadores que trabalham especificamente com pedologia também abordam esta temática, sendo que os solos desenvolvidos, associados aos materiais lateríticos, possuem importância agrícola, como no Brasil e, em solos quaternários, que podem também possuir um significado relevante na dinâmica geomorfológica mais recente. Em pedologia os termos plintita, petroplintita e a existência de um Horizonte F são aplicados no Sistema Brasileiro de Classificação de Solos.

Classificação dos ferricretes

No que se refere a classificação destes materiais, Bourman et al. (1987), Milnes et al. (1987) e Bourman (1993) propõem três tipos básicos de ferricrete (posteriormente o termo ferricrete foi definido com uma conotação genética, mas esta não existia para estes autores) com algumas subdivisões:

Rocha ferruginizada: rochas que apresentam impregnações ferruginosas, mas mantém suas estruturas perfeitamente identificáveis em campo. A forma mais comum é constituídas de mosqueados ferruginosos.

Sedimentos ferruginosos: ferricretes caracterizados por ampla variação de tipos de fábrica, que refletem a natureza do sedimento original. Por exemplo, no caso de sedimentos clásticos, o ferricrete apresenta abundantes grãos de areia ou clastos de quartzo e fragmentos de rocha. Quando cimentam clastos têm-se o ferricrete conglomerático. Se não existir qualquer estrutura interna será um ferricrete maciço.

Ferricretes complexos: possuem ampla diversidade de fábricas, identificando-se os seguintes tipos:


a) pisolítica: possuem grande quantidade de glébulas ferruginosas, dispersos no interior de uma matriz rica em óxidos de ferro;

b) “slaby” (laminar): formados dominantemente por placas ou lentes horizontais separadas por zonas ricas em argila;


c) vermiformes: formados por uma distribuição irregular de canais enriquecidos em ferro.


Coleção: Tipos de Ferricretes


O que influência na formação dos ferricretes?

No caso especifico dos ferricretes associados a perfis lateríticos, Thomas (1994) propõe oito fatores de formação determinantes.

1) fatores geológicos: qualquer tipo litológico pode originar os perfis lateríticos ferricretes. A composição mineralógica das rochas parentais pode influenciar fortemente na composição e nas características do perfil laterítico e ferricrete, mas os processos de intemperismo podem modificar significativamente estas características mineralógicas.

Alguns autores como Tardy et al. (1988) eTardy (1993) indicam uma influência gradativamente menor das características da rocha conforme maior o grau de evolução do perfil laterítico. Tardy et al. (1988) indicam uma tendência à homogeneização do perfil, em termos químicos e mineralógicos, independente do material de origem. A velocidade de formação dos perfis lateríticos pode variar conforme o tipo de rocha parental. Para o referido autor, as alterações sobre rochas máficas e ultramáficas podem chegar a uma velocidade três vezes maior do que sobre as de tipo félsicas.

2) fatores climáticos: fundamental para controlar a formação destes perfis. Tardy (1993) indica as seguintes características climáticas para sua formação: uma pluviosidade média anual de 1.450 mm; temperatura média anual de 28 oC; umidade relativa do ar média de 70% e uma estação seca com duração de 6 meses.

O tipo climático ideal de formação do ferricrete é aquele que corresponde às regiões de savana. Em direção à climas mais secos, ela não se forma com a disponibilidade de sílica no sistema, predominando solos com montmorillonita (LEPRUN, 1979) e também em climas muito úmidos sem estação seca, onde predominam a goethita e gibsita (BEAUVAIS e TARDY, 1993), entretanto, nestas condições ambientais mais úmidas é possível a destruição do ferricrete em certos pontos da paisagem e formação simultânea em outros.

3) Fatores bióticos: a ação da vegetação dependerá essencialmente do tipo de cobertura vegetal localizada sobre o ferricrete, através de sua ação na formação de ácidos e a ação mecânica de suas raízes. Esta ação pode definir morfologias de ferricretes. Segundo Tardy (1993), as termitas também podem possuir papel fundamental no processo de alteração do perfil laterítico e do ferricrete.

4) Fatores hidrológicos: os fatores hidrológicos são determinados pelo regime climático e pela interação com a litologia e o relevo. Esta combinação cria uma diversidade de ambientes locais com condições contrastantes para a mobilização ou precipitação do ferro e, especialmente, é fundamental a oscilação do lençol freático ao longo do ano.

5) Condições de Eh (potencial redox) e pH (potencial hidrogeniônico): o Eh torna o ferro mais móvel conforme seus valores aumentam e o pH diminui. Costa (1984) acrescenta que o pH nestes ambientes depende da atividade biológica superficial, das alterações mineralógicas desencadeadas e, como consequência, da composição química das águas percolantes.

Pequenas variações de pH e Eh na paisagem são responsáveis pela mobilidade ou precipitação do ferro, sendo essenciais para explicar, mesmo à curta distância, áreas com elevadas perdas e outras com elevadas concentrações de ferro. A figura abaixo apresenta as condições de Eh e pH para a formação das concentrações ferruginosas.

Limites dos domínios de Fe2+, Fe3+, Mn2+ e Mn4+. Fonte: Campy e Macaire (1989).

6) História geomorfológica e tectônica: a formação, evolução e destruição de ferricretes estão intimamente associadas à história da paisagem geomorfológica. As superfícies de aplainamento produziram ambientes extremamente favoráveis para seu desenvolvimento.

Deve-se destacar também que na literatura torna-se cada vez mais comum a associação da evolução de paisagens lateríticas com os processos de etchplanação (ZEESE, 1996). Também é comum indicar o ferricrete como responsável pela inversão do relevo, resultado de sua resistência aos processos intempéricos, conforme na figura ao lado.

7) fator tempo: o tempo necessário para o desenvolvimento de um espesso perfil de alteração passa, necessariamente dos 100.000 anos de duração (TARGULIAN E BRONNIKOVA, 2019). Nahon e Lappartient (1977) calcularam que um ferricrete de 0,5 a 1,0 metro de espessura requer 0,3 a 0,75 Ma. para sua individualização.

Sequência evolutiva apresentando inversão topográfica associada com a formação de duricrosta. Fonte: Summerfield (1991) e Pain et al. (2007)

Estes autores indicam que para a evolução de um perfil laterítico, sobre rochas vulcânicas, com a evolução de um manto de alteração caulinítico, individualização de um horizonte de acumulação de ferro e a evolução fisico-química da crosta ferruginosa, são necessários 6 Ma.

Na Amazônia brasileira, Oliveira e Schwab (1980) estimam um tempo mínimo de 2,8 Ma. para evolução de um perfil laterítico bem estruturado. Na literatura é possível fazer uma distinção entre os ferricretes associados a perfis lateríticos e outros que não apresentam a organização clássica nos diferentes níveis.

Figueiredo Filho et al. (2019) identificam, na região do Quadrilátero Ferrífero, espessos ferricretes associados a terraços fluviais de idade compreendida entre 140 e 83 ka. Destaca-se que nesta área há uma grande disponibilidade de ferro no sistema, por conta da presença comum de itabiritos. Desta forma, o ferricrete, per si, não é indicativo de uma evolução extremamente longa, mas ele associado a um espesso perfil laterítico sim.

8) Mudanças paleoambientais: ferricretes e perfis lateríticos ocorrem em diferentes latitudes e por conta disso podem ser utilizados como indicadores de paleolatitudes e de paleoambientes (ANNOVI et al. 1980; BARDOSSY, 1981; TARDY e ROQUIN, 1998; SCHMIDT et al., 1983; ZEESE, 1996; KUMAR, 1986; TARDY, 1993).

A literatura não apresenta uma origem única para o ferro que irá formar o ferricrete. Nitidamente, há um grupo de autores que indica um intemperismo essencialmente vertical e outro que indica a importância dos aportes laterais. Thomas (1994), após ampla revisão de literatura, identifica três possibilidades:

1) translocação vertical, através da qual o Fe2+ movimenta-se por algumas dezenas de metros, no sentido descendente, por movimento gravitacional da água subterrânea, ou ascendente por difusão iônica;

2) por transferência lateral de Fe2+ através da convergência de fluxo de água subterrânea para sítios de recepção, como vales e depressões;

3) retenção e acumulação nos horizontes superficiais (em forma de pisólitos ou nódulos) quando o perfil é rebaixado por intemperismo.

Beaudet e Coque (1994) indicam que na mesma paisagem pode-se observar diferentes gêneses de ferricrete, como a formação associada a formas residuais, também em glacis, onde há aporte lateral de ferro em solução, e eventualmente de forma mecânica na forma de clastos (figura abaixo).

É possível que um ferricrete esteja sendo alterado no topo e haja precipitação de ferro em sua base, conforme não só já observaram Tardy (1993), Moreau (1993) e Espíndola e Daniel (2008), mas também observaram os novos estudos de cronologia, que indicam a grande mobilidade de ferro no interior do ferricrete, observando-se várias gerações de solubilização e precipitação (SPIER et al., 2006).

Socle cristallin: embasamento cristalino; Altérite argileuse: alterita argilosa; Sable Limon
Argile
: Areia, silte, argila; (B): Ferricrete; (Gl): glacis de erosão com ferricrete (PI): plano silto-argiloso

Referências

David Pace Photography

Tenho fotografado no pequeno Burkina Faso, país da África Ocidental desde 2007. Nas minhas viagens anuais, moro na aldeia de Bereba, onde tenho documentado muitos aspectos da vida diária, incluindo a dança semanal (sexta à noite), o deslocamento noturno ( Sur La Route), moda local (Market Day), arquitetura tradicional (L’Ancien Village) e ocupações comuns (At Work). Outros projetos incluem a exploração da fabricação de tijolos (Karaba Brick Quarry), a mineração artesanal de ouro (Les Sites d’Or) e os quiosques de Ouagadougou, capital do Burkina Faso (Quiosques).


Sobre o autor

Francisco Sergio Bernardes Ladeira

Graduou-se bacharel em Geografia pela Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho (1989), mestre em Geografia (Geografia Física) pela Universidade de São Paulo (1995) e doutor em Geografia (Geografia Física) pela Universidade de São Paulo (2001). Atualmente é MS-3.2 da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Paleopedologia, Superfícies Geomorfológicas e Relação Solo-Relevo.


Texto: Francisco S. B. Ladeira

Edição: Diego F. T. Machado


Publicações Acadêmicas do LABPED

Cartas de Susceptibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inundações.

por: Douglas Cabral –

As cartas são fundamentais para o planejamento adequado de uso e ocupação das terras, afim de reduzir perdas materiais e de vidas humanas.


As Cartas de Suscetibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inundações são documentos cartográficos que representam a possibilidade de ocorrência de movimentos gravitacionais de massa (deslizamentos e corridas de detritos) e processos hidrológicos (inundações e enxurradas).

O levantamento consiste numa modelagem matemática feita em escritório, a qual posteriormente é validada em trabalho de campo por uma equipe de pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil-CPRM, que percorre toda a extensão do município.

A elaboração das Cartas de Suscetibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inundações está prevista no Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais. Com início em agosto de 2012, os municípios do território brasileiro iniciaram a cartografia dos temas-fim do projeto.

As áreas são classificadas em alta, média e baixa suscetibilidade a movimentos de massa e inundações.

Adicionalmente, são apresentadas as feições geológicas (cicatrizes de deslizamentos, feições erosivas, paredões rochosos e blocos de rocha), além de mapas de padrões de relevo, também desenvolvidos pela equipe envolvida e mapas de solo e geológico-estrutural, na maior escala disponível.

A CPRM disponibiliza através de duas Notas Técnicas – informações sobre os procedimentos adotados para a elaboração de modelagens de inundação, e das cartas de suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa com o objetivo de orientar quanto aos procedimentos adotados na confecção das cartas.

Fluxograma das quatro etapas de execução da análise, classificação e zoneamento da suscetibilidade a inundações – Fonte: CPRM – Nota Técnica para elaboração de modelagens de inundação

Os dados referentes as cartas estão disponíveis para downlad no site do Serviço Geológico do Brasil

Municípios Mapeados: 526
Pessoas Contempladas pelo Projeto: 88.878.387
Cartas Publicadas em 2021: 18
Atualizado em: 25/05/2021

SAIBA MAIS

TV CPRM – Vídeo Institucional – Cartas de Suscetibilidade

Autoria: Douglas Cabral

Edição: Diego F. T. Machado

Foto da capa: Douglas Cabral – Santana/AP (inferior) e São Domingos do Norte/ES (superior)

As “Pedras Equilibristas”

por: César H. B. de Farias –

Impossível se manter indiferente a estes monumentos naturais, as Pedras Equilibristas se destacam na paisagem e no imaginário popular.


As “Pedras Equilibristas” também conhecidas como “Balanced Rocks” ou “Precariously Balancing Rocks” (PBRs) em inglês ou “Piedras Equilibristas” em espanhol são feições naturais resultado da ação de processos de origem geológica e/ou geomorfológica compostas por grandes blocos rochosos que se mantém em um delicado equilíbrio sobre um ou mais pontos de apoio.

Seu equilíbrio é tamanho que muitas destas feições aparentam estar prestes a tombar/desmoronar, no entanto, nenhum ser humano foi capaz de movê-las (ainda). Tais feições apresentam milhares (ou alguns milhões) de anos de idade e podem ser encontradas em todo o mundo sob os mais diferentes tipos de rochas (granitos, basaltos,  arenitos, quartzitos) e regimes climáticos (tropical, temperado e árido), sobretudo naquelas áreas cratônicas e/ou de cinturões orogênicos antigos.

Origem e Significado das Pedras Equilibristas

A origem destas feições é amplamente discutida no meio científico e está comumente associada à evolução de espessos mantos de intemperismo, típicos de margens passivas1 sujeitas a climas tropicais úmidos e posterior exposição em função da denudação fluvial ou pluvial.

1Borda ou margem de um continente sem tectonismo pronunciado como, por exemplo, as margens continentais junto à costa brasileira, e que não coincidem com borda de placa tectônica. Glossário Geológico – CPRM

Alguns autores indicam a possibilidade de blocos transportados por geleiras, mas estes exemplos são mais raros e restritos a regiões que foram atingidas pelo último máximo glacial. Para diversos autores a origem, o desenvolvimento e sobretudo a preservação dos blocos na paisagem pode ser tradicionalmente explicada pelo seguinte modelo:

Modelo de desenvolvimento proposto para as “Pedras Equilibristas” encontradas em áreas graníticas. Estágio I) Inicialmente ocorre o intemperismo químico subsuperficial ao longo das superfícies das juntas e o desenvolvimento de material transportável mecanicamente; Estágio II) Exumação dos núcleos esferoidais assim como sua colocação em posições precárias/pouco usuais. Fonte: Twidale, 1982.

Rabassa et al. (2021) afirmam que as pedras equilibristas encontradas na América do Sul estariam diretamente relacionadas às áreas de ocorrência da antiga Paleo-superfície Gondwana, sendo um forte indicativo da presença de climas tropicais úmidos no passado do nosso continente.

Além disso, é comum na literatura trabalhos associando tais feições com a estabilidade tectônica local. A simples presença de tais estruturas pode ser interpretada como um importante indicativo para a paleosismologia, uma vez que seu delicado equilíbrio poderia ser facilmente rompido, mesmo por abalos sísmicos de baixa intensidade.

De forma geral ainda se sabe muito pouco sobre o real significado geológico/geomorfológico e até mesmo histórico/arqueológico destas feições, uma vez que várias pedras se encontram associadas a sítios arqueológicos e a pinturas rupestres.

Potencialidades e Exemplos Brasileiros

Uma das principais potencialidades das “Pedras Equilibristas” reside na sua capacidade de atrair turistas, indicando um elevado potencial para a criação de Geoparques, objetivando a exploração econômica das áreas de ocorrência e sobretudo sua preservação ambiental. Apesar de reconhecido, esse potencial ainda é muito pouco explorado no território nacional.

Dentre as iniciativas de destaque temos o Parque Pedra da Cebola, localizado no Bairro Mata da Praia em Vitória no Espírito Santo. A Pedra da Cebola recebe esse nome em função de seu aspecto “descamado” similar às palhas de uma cebola. Trata-se de um granito porfirítico (Granito Vitória) que apresenta matriz de granulação média e coloração acinzentada.

Vista Geral do Parque da Pedra da Cebola em Vitória – ES, nota-se os jardins e a Pedra da Cebola ao fundo com seu aspecto “descamado”. Fonte: Ana Paula de Oliveira

O Parque constitui uma das principais áreas abertas à visitação pública em Vitória e conta com uma ampla gama de atrações, playground, pistas para caminhada, jardim oriental, mini zoológico, áreas dedicadas às práticas esportivas e um Centro de Educação Ambiental voltado a práticas pedagógicas que buscam estimular a reflexão e o aprendizado de temas ambientais.

Outro importante exemplo no território nacional é a Pedra Chapéu do Sol que se localiza na região norte do Município de Cristalina, no Estado de Goiás, mais precisamente na porção central do Domo de Cristalina. Trata-se de um gigantesco monólito de quartzito que pesa aproximadamente 350 toneladas e possui cerca de 13,7 metros de comprimento, sendo datada em 1.2 bilhões de anos. O bloco possui um alinhamento de seu eixo principal na direção N-S e uma inclinação de aproximadamente 10o, sendo uma das principais atrações turísticas do estado. Vale destacar que no imaginário popular a pedra seria a responsável por “manter o equilíbrio” do mundo.

Pedra Chapéu do Sol. Fonte: Clodoaldo Lemes

Referências

Rabassa, J. ; Martínez, O. ; Colman, C. ; Ladeira, F.S.B. ; Sarubbi, Y. The Piedra Movediza (“Rocking Stone”) of Tandil (Province of Buenos Aires, Argentina) and The “Piedras Equilibristas” (“Balancing Rocks”) of Paraguay and Brazil. In: Pablo Bouza; Jorge Rabassa; Andrés Bilmes (Orgs). Advances in Geomorphology and Quaternary Studies in Argentina: Proceedings of the Seventh Argentine Geomorphology and Quaternary Studies Congress. Springer, v.1, 2021, pp. 219-243.

Silva, A. F. ; Gonçalves, S. L. ; Machado Filho, L. Geoparque e Educação Ambiental no Parque Pedra da Cebola. In: 49º Congresso Brasileiro de Geologia, 2018, Rio de Janeiro – RJ. Geologia: Conhecer o passado para construir o futuro.

Twidale, C. R. Granitic Landforms. Elsevier, Amsterdam, 1982. 372p.


Texto: César Henrique Bezerra de Farias

Edição: Diego F. T. Machado

Foto da capa: CHON KIT LEONG/ALAMY STOCK PHOTO


Artigo discute a influências de mudanças climáticas e hidrológicas na transformação das paisagens nos últimos 115 ka

por Pedro Cheliz –

O trabalho assinado por Pedro M. Cheliz e colaboradores aponta alternâncias entre climas úmidos e secos desde o Eemiano e questiona algumas relações estabelecidas entre altitudes de terraços, idades de depósitos e tipos de solos.


Acaba de ser disponibilizado na revista Quaternary International um novo artigo que discute as relações entre relevo, solos e depósitos em planícies fluviais, a partir de um estudo de caso na planície do rio Jacaré-Guaçu. O artigo aborda evidências de transformações ambientais e climáticas dos últimos 110 mil anos registradas nesta planície aluvial. Igualmente, ele caracteriza como mudanças na paisagem ao longo do tempo contribuíram para criar no local uma dissociação entre formas de relevo e materiais associados.



Ali, os terraços fluviais mais elevados vinculam-se a depósitos mais recentes (12-8 mil anos atrás) e paleosolos formados em condições de má drenagem (onde a água penetra e circula com dificuldade pelo perfil de solo).

Os terraços mais baixos e próximos a várzea, por sua vez, encontram-se associados a depósitos mais antigos (115-110 mil anos atrás) e  a paleosolos formados em condições de boa drenagem (onde a água penetra e circula com facilidade pelo perfil de solo), ainda que atualmente predominem neste local condições de má drenagem.

A área de estudo está localizada no Estado de São Paulo (Brasil), próximo à divisa entre os municípios de Boa Esperança do Sul e Araraquara

Estes padrões de conexões entre formas de relevo e materiais associados são diferentes dos usualmente registrados em planícies aluviais do sudeste do Brasil, onde os terraços fluviais são geralmente interpretados como vinculados a depósitos tão mais antigos e solos tão melhor drenados quanto mais elevados em relação ao nível do rio atual. De maneira que fortalece-se incertezas em relação a extrapolações frequentemente feitas entre altitudes de terraços, idades de depósitos e tipos de solos. Reforçando, assim, a necessidade de estudos geomorfológicos, pedológicos e cronológicos de detalhe em áreas pequenas em adição a pesquisas voltadas a caracterizar tendências dominantes de sistemas fluviais ao longo de áreas mais vastas.

Leia o artigo na íntegra: DOI: 10.1016/j.quaint.2021.06.016


Sobre o autor correspondente

Pedro M. Cheliz é graduado em Geografia e Geologia, e mestre em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com cursos de formação complementar na área de arqueologia. Tem experiência profissional em consultoria e licenciamento ambiental, bem como como educador no ensino básico nas áreas de geografia, história e ciências, e no ensino superior nas áreas de geologia e geografia. Desenvolve atividades de pesquisa na área de Geociências e Geografia, atuando principalmente nos seguintes temas: geomorfologia, pedologia, planejamento ambiental e geoarqueologia. Vincula-se aos grupos de pesquisa do LabPed (Laboratório de Pedologia), NEAL (Nucleo de Estudos Ambientais e Litorâneos), IPEC (Instituto de Pesquisas Cananéia) e GEA (Grupo de Estudos de Arqueologia). Atualmente é bolsista de doutorado do CNPQ.

ResearchGateLattes – email: pedro.michelutti@gmail.com


Texto: Pedro M. Cheliz

Edição: Diego F. T. Machado


Publicações Acadêmicas do LABPED