São Paulo antes dos Tupi: a ocupação humana e ambientes de 10mil anos atrás

por: Pedro M. Cheliz –

Com hábitos nômades e vivendo em pequenos grupos, estes antigos habitantes viveram em um tempo caracterizado por importantes mudanças ambientais.


Muitas vezes se diz que o Brasil e o Estado de São Paulo são uma terra antiga habitada por um povo jovem. Outros lembram que a gente que vive nesta terra não é tão nova, pois quando os colonizadores portugueses desembarcaram no Brasil, o território já era há muito ocupado por diversificados povos indígenas agricultores e ceramistas. Com menos frequência se lembra, porém, que antes dos indígenas Tupi e Jê, o atual território brasileiro foi ocupado por seus possíveis ancestrais, que praticavam um modo de vida distinto, num tempo tão distante do atual, que a própria Terra se apresentava de maneira diferente da de hoje, mais de 8 mil anos atrás.

As evidências da presença humana neste tempo distante no estado de São Paulo são pouco comuns, restritas a restos de pouco mais de dez antigos assentamentos, espalhados ao longo de diferentes pontos do atual território paulista. Nestes locais foram encontrados, em profundidades que por vezes excedem 3 metros, antigas ferramentas e outros vestígios de presença humana, próximos a fragmentos de carvão ou amostras de areia cujas análises em laboratórios apontam idades que chegam a ser, em alguns deles, superiores a 10 mil anos atrás.

Diversidade dos ambientes de ocupação

Tais antigos vestígios de presença humana mostram-se presentes em diferentes domínios da natureza – dos fundos de estreitos vales profundos das íngremes serras florestadas do atual litoral no extremo leste paulista, aos terrenos de declives suaves nas margens dos rios Paranapanema e Grande, no extremo oeste do estado. Apresentando-se também em meio às escarpas rochosas que marcam o centro do Estado, próximos a atuais centros urbanos do interior, como Brotas, Rio Claro, São Carlos e Araraquara. Muitos dos turistas que se dirigem a tais áreas, atraídos pelas frescas cachoeiras de seus grandes paredões rochosos, sequer desconfiam que estão se banhando próximos a alguns dos registros de ocupação mais antigos de São Paulo e do Brasil.

Algumas características dos antigos agrupamentos humanos

O estudo destes antigos vestígios da presença humana pelos arqueólogos sugere que eles são produtos de povos humanos que viviam em grupos pequenos, de algumas dezenas de pessoas, e que praticavam um modo de vida nômade ou seminômade, vivendo da caça e da coleta. Dentre tais vestígios, os mais numerosos são artefatos de pedra lascada, tais como belas pontas de projéteis criadas a partir do trabalho humano sobre rochas e quartzos translúcidos, possíveis armas ou ferramentas cerimoniais ou de caça.

Alguns dos artefatos de rocha lascada encontrados em sítios arqueológicos líticos antigos de São Paulo. Foto: acervo pessoal

Também foram identificados, em menor número, antigos sepultamentos, incluindo um esqueleto encontrado em meio a um bolsão de argila e com pontas de projéteis em suas mãos. “Luzio”, o nome pelo qual foi chamado, em referência à “Luziado povo de Lagoa Santa em Minas Gerais, foi encontrado no fundo de um vale das serras do Vale do Ribeira, e datado em cerca de 9 mil anos atrás.

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Crânios de Luzio (à esq.) e de Luzia, ambos com idades semelhantes, do Holoceno Inicial. Eduardo Cesar e laboratório de estudos evolutivos humanos / ib-usp – Reprodução – Pesquisa Fapesp

A capacidade de se adaptar frente as adversidades do meio

Estas antigas evidências da presença humana comumente encontram-se mesclado a argilas, areias, cascalhos, solos e grãos de polens que indicam que esse povoamento ancestral lidou com ambientes, climas, biomas e paisagens bastante diferentes dos atuais. Essas diferenças incluem um clima mais seco do que o dos nossos dias, uma menor presença de florestas e mais comum vegetação de campos abertos e arbustivas, com os rios e mesmo o mar estando então em posições significativamente diferentes das atuais.

Tais evidências do meio físico e biológico sugerem, ainda, que estas antigas populações viveram em um tempo caracterizado por importantes mudanças ambientais, o que possivelmente colocou à provas o modo de vida e a resistência destes antigos habitantes do estado de São Paulo. Tais grupos humanos, porém, parecem ter mostrado elevada capacidade de se adequar a tais mudanças do meio, já que alguns destes antigos assentamentos indicam a presença destes antigos caçadores e coletores ao longo de intervalos de tempo que excedem 3 mil anos (tais como nos sítios Caetetuba e Bastos).

Conhecer, compreender e valorizar!

Os conhecimentos que se tem hoje sobre este distante tempo de ocupação se devem às pesquisas efetuadas por diversas universidades estaduais e federais, e grupos de estudos independentes. Os acervos resgatados nas escavações em tais antigos sítios arqueológicos encontram-se espalhados em várias instituições e museus do estado, em geral pouco conhecidos do público. A lembrança da triste tragédia do Museu Nacional consumido pelas chamas destaca a urgência de darmos mais atenção ao tema e acompanhar a condição de preservação destes importantes acervos, para evitar que ocorram eventuais novas e irreparáveis perdas.


Saiba mais

O Homem de Capelinha – A descoberta mais antiga de um fóssil do Estado de São Paulo. – Parque Estadual do Rio Turvo

Bibliografia

Artigo científico

ARAUJO, Astolfo Gomes de Mello, CORREA, Leticia Cristina. FIRST NOTICE OF A PALEOINDIAN SITE IN CENTRAL SÃO PAULO STATE, BRAZIL: BASTOS SITE, DOURADO COUNTY. Palaeoindian Archaeology. Volume 1 Número 1. 2016

CHELIZ, Pedro Michelutti; de SOUSA, João Carlos Moreno; MINGATOS, Gabriela Sartori; OKUMURA, Mercedes; ARAUJO, Astolfo Gomes de Mello. A ocupação humana antiga (11-7 mil anos atrás) do Planalto Meridional Brasileiro: caracterização geomorfológica, geológica, paleoambiental e tecnológica de sítios arqueológicos relacionados a três distintas indústrias líticas. Revista Brasileira de Geografia Física v. 13 n.6. 2020

Dissertação de mestrado

SANTOS, Fabio Grossi. Sítios líticos no interior paulista: um enfoque regional. Dissertação de mestrado. USP.


Texto: Pedro Michelutti Cheliz

Edição: Diego F. T. Machado


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A ocupação humana remonta a intervalos de tempo em que a configuração do meio físico (tais como o relevo, sedimentos, rochas, rios e solos) nem sempre foi semelhante a atual. Estas diferenças se tornam tão mais intensas quanto mais antigos são tais intervalos de presença humana. Desta maneira, pesquisas que busquem estudar intervalos pretéritos da presença antropica devem levar em conta pesquisas como as desenvolvidas nas áreas de geomorfologia, pedologia, sedimentologia e estratigrafia que busquem estimar tais variações do meio físico ao longo do tempo. Visando discutir tais temas, convidamos os professores Astolfo Araujo (Museu de Arqueologia e Etnologia, USP) e Paulo Giannini (Instituto de Geociências, USP), para apresentarem um pouco dos trabalhos que vem desenvolvendo em áreas arqueológicas continentais e litorâneas do Brasil.

Trancos e Barrancos – o ensino de solos nos ciclos básicos da educação formal

por:

Amandha Araujo; Bárbara Gumiero; Beatriz Foleis; Diego F.T. Machado –

Nas últimas décadas, observamos a consolidação de diversas ações em prol da difusão e popularização do ensino em solos voltadas aos ciclos básicos do ensino formal, todavia, essa estrada ainda não está completamente pavimentada e seguimos firmes, aos trancos, entre os barrancos!


O solo é um importante recurso para o planeta, sendo uma mistura de minerais, material orgânico, gases, líquidos e uma diversidade de micro e macro-organismos, assim compondo a pedosfera (Tassinari et al, 2017). É um corpo natural que demora um longo período para ser formado dependendo da ação de cinco fatores específicos, sendo eles: clima, relevo, organismos, material de origem e tempo.

A pedosfera, que aloja os solos, está em comunhão com a biosfera, composta por todos os seres vivos que habitam a Terra; a litosfera que é a parte solida do planeta; a hidrosfera que contém a toda água existente e a atmosfera, composta pela fração gasosa que envolve o todo, inclusive os chamados “espaços vazios” do solo. Walter F. Molina Jr – Adaptado de UNESCO (2007).

Os obstáculos

No Brasil, atualmente, o ensino de solos é pouco trabalhado no ensino básico, se voltando principalmente para o ensino superior. O obstáculo para tornar o ensino de solos mais efetivo nos ciclos básicos passa pela adequação dos materiais didáticos e uma mudança nos métodos atuais de ensino, visando o docente e sua formação.

Os livros didáticos e apostilas utilizados no ensino dos ciclos básicos apresentam pouco conteúdo sobre solos, em sua maioria voltados para agropecuária (Sousa, 2012) além de exibirem termos que são muitas vezes complexos e/ou defasados para o entendimento dos estudantes (como terra roxa e massapê). Vale ressaltar que não se espera extinguir regionalismos ou mesmo termos antigos que ainda são usados informalmente, todavia, sua correlação com as terminologias atuais é necessária.

Adaptações para uma comunicação mais efetiva

A linguagem para o ensino dos solos ainda é muito complexa e não é própria para o ensino básico. É necessário uma readaptação do vocabulário sobre o ensino de solos, de forma a chegar-se ao entendimento por parte do aluno, sem deixar de lado os termos técnicos que especificam sobre as ordens e subordens ou sobre as características dos solos. Deve-se portanto buscar, sem deixar de lado os rigores científicos, uma comunicação mais efetiva que pode se dar via analogias, ilustrações, e e diversos elementos lúdicos, por exemplo.

Exemplo de atividade lúdica aplicado ao ensino sobre as ordens de solos de acordo com o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS) – Jogo das ordens dos solos do Brasil – Projeto Solo na Escola UFCS

A efetivação das ações passa pelo tripé Pesquisa-Ensino-Extensão

É importante que centros de pesquisa e instituições relacionadas à ciência do solo, produzam e divulguem material didático acessível às escolas. De acordo com Prates (2010), observa-se uma escassez e até ausência do conteúdo sobre solos nos livros didáticos, na qual o professor se apoia completamente como referência para as práticas de ensino. É preciso fazer adaptações importantes para os professores e escolas visando suas condições e necessidades, buscando ainda, adequar a realidade local.

Reportagem apresentada na e-Paraná TV sobre a Exposição Didática de Solos do Programa Solo na Escola/UFPR.

O mal na raiz – defasagem no processo de formação dos professores

Há uma dificuldade por parte de alguns docentes quanto ao domínio deste tema, em casos os quais os mesmos não dispunham da disciplina de pedologia em sua grade curricular e/ou não tiveram acesso a formação continuada. Outro aspecto se dá pelo distanciamento entre o teor dos conteúdos e as formas de avalição nas IES e como levar isso para as salas de aula. Essa carência de atividades didáticas faz com que os professores exerçam métodos menos eficientes, por vezes menos dinâmicos,  limitando o processo de aprendizagem dos alunos.

A complexidade na abordagem de temas relacionados à pedosfera pode representar um desafio para os professores do Ensino Fundamental, dada a dificuldade de compreensão deste meio heterogêneo e ao mesmo tempo singular, especialmente no primeiro e segundo ciclos (Lima, 2005). Porém, Falconi (2004) destaca que os professores avaliam que a limitação em transmitir e ensinar o conteúdo solo pode não ser resultado da complexidade do assunto, mas da formação do docente, acentuada pela dificuldade em entender o conteúdo expresso nos livros didáticos. 

O papel das IES para a formação continuada de professores

Existe uma falta de atualização dos professores ao conteúdo mais recente, produzido principalmente nas universidades, e que não é levado para o ensino básico. O ensino continuado oferecido pelas universidades vem como uma alternativa para o ensino do solo ocorrer de melhor forma em sala de aula. Segundo Lima (2005), é necessário que as IES (Instituições do Ensino Superior) contribuam para melhorar o ensino de solos, qualificando a formação pedológica dos futuros professores, e propor atividades que auxiliem na melhoria da capacitação dos professores para compreender e ensinar sobre solos. 

Curso SNE - Programa Ponte-Solo na Escola
O curso oferecido pelo Programa Ponte-Solo na ESALQ-USP é uma de tantas iniciativas que visam fornecer atualizações voltadas ao ensino de solos.

Um esforço para atividades mais “ativas”

A forma tradicional de ensinar, onde o professor passa o conteúdo em uma lousa e os alunos copiam, tem ficado cada vez mais desatualizado. O estudo dos solos não é apenas teórico mas também prático, pedindo que as aulas também aconteçam de forma dinâmica, como por exemplo, explorando o solo em ambientes da escola ou do bairro, e quando isso não é possível, experimentos podem cumprir este papel. De acordo com Garcia et al (2016) deve-se tratar o ensino de maneira dinâmica e integrada, com novas metodologias, deixando o ensino fragmentado de lado. É necessário novas formas de abordar o ensino, fazendo com que o aluno entenda a totalidade mesmo estudando as partes.

Algumas considerações finais…

O solo é um importante recurso natural e deve ter maior destaque no ensino dadas suas múltiplas funções ecossistêmicas. Os livros didáticos precisam de uma reformulação, sua linguagem precisa ser atualizada levando em conta um vocabulário claro e objetivo, de acordo com seu referente grau de escolaridade. O conteúdo sobre solos produzido no ensino superior também deveria se estender para o ensino fundamental. Os professores devem se ater ao fato de que o ensino dos solos também é prático, e que atividades fora da sala de aula agregam para o aprendizado do estudante e para o maior entendimento sobre a importância dos solos. As universidades, Institutos de Agronomia e Institutos de Geociências poderiam desenvolver materiais para esses ciclos, assim como cartilhas e conteúdos relacionados, também podem ser desenvolvidos pelas escolas, com capacitação dos docentes, e um ensino continuado no assunto, fazendo com que o ensino de solos seja viável e acessível a todos os estudantes no ensino básico.


Bibliografia consultada

Falconi, S. 2004. Produção de material didático para o ensino de solos. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro-SP

Garcia, P. H. M.; Cavalcante, J. A. D.; Pereira, R. S.; Balieiro, A. B. 2016. O Ensino dos Solos: A Interdisciplinaridade na Sequência Didática. Revista Ensina: As diversas metodologias do ensino. UFMS, MS. v. 1, n. 1,  p. 9. Disponível em: <https://desafioonline.ufms.br/index.php/anacptl/article/view/1909> Acesso em 20/05/2021. 

Lima, M. R. de. 2005 O Solo No Ensino De Ciências No Nível Fundamental. Ciência e Educação, v.11, n.3, p.383- 395.

Prates, R. 2010  Análise das abordagens e discussões do conteúdo de pedologia nos livros didáticos de Geografia. Dissertação de Mestrado. Instituto de Agronomia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ. 85 p.

Sousa, H. F. T.; Matos, F. S. jul./ dez. 2012. O Ensino dos Solos no Ensino Médio: Desafios e Possibilidades na Perspectiva dos Docentes. GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais,, Fortaleza, v. 3, n. 6, p. 71-78

Tassinari, D. ; Silva, S. H. G. ; Silva, E. ; Silva, E. A. ; Silva, B. M. 2017. Conhecendo a vida do solo: Volume 1. Editora UFLA, Minas Gerais. 32 p.

Molina Junior, Walter Francisco. Comportamento mecânico do solo em operações agrícolas [recurso
eletrônico] / Walter Francisco Molina Junior. – – Piracicaba : ESALQ/USP, 2017. 223 p. : il


Saiba mais

Experimentoteca de solos – Solos na Escola UFPR

Iniciativas de educação em Solos no Brasil – SBCS

Implantação de iniciativas em educação em solos – UFPR

Cinco cartilha para apoio didático no ensino sobre solos

Materiais didáticos – Projeto Solos na Escola – UFCG


Autoria: Amandha Araujo; Bárbara Gumiero; Beatriz Foleis; Diego F.T. Machado

Edição: Diego F. T. Machado

Este artigo foi realizado como parte das atividades previstas no projeto “Criação de uma Coleção de Macromonolitos de solos para o Instituto de Geociências da Unicamp” vinculadas ao programa Pibic Ensino Médio, coordenado pelo prof. Francisco S.B. Ladeira.


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De Santos a Pisa – É Puro Recalque

por Tainá N. de Almeida

Os solos exercem diversas funções, dentre elas, serve como base para estabelecimento da infraestrutura humana, e por isso, compreender o comportamento dos solos é fundamental para garantir nossa segurança e bem estar.


Santos é uma cidade costeira localizada no estado de São Paulo, a maior cidade do litoral paulista, cuja população estimada é de 433.656 habitantes. Conhecida pela extensa faixa de areia (são 7 km de praia) e por alocar um dos principais portos do país, o município também ficou famoso pelos ‘prédio tortos‘ ao longo de sua orla.

Por volta de 1940, com a expansão da cidade, a orla de Santos começou a ser rapidamente ocupada por edifícios entre 10 e 20 andares.

A partir dos anos 1970, os prédios começaram a afundar. O recalque¹ dos prédios atingiu até 120 cm e inclinações de até 2°, totalizando 65 prédios com estrutura comprometida.

¹Recalque (ou abatimento) – Movimento vertical de uma estrutura, provocado pelo próprio peso ou devido à deformação do subsolo por outro agente, tal como remoção do confinamento lateral, efeito de bombeamento de água e efeito do rebaixamento generalizado do lençol freático. (Glossário Geológico)

Imagem: Prédios inclinados devido ao deformação do subsolo na orla de Santos-SP
Reprodução Danilo Verpa – 4.jun.12/Folhapress

As causas? – Dois fatores combinados!

  • Os solos. O solo de santos é formado por uma camada de areia fina compacta, de 6 a 20 m de espessura. Logo abaixo, encontra-se uma camada de argila muito mole de até 40 m de espessura. As argilas muito moles têm alta compressibilidade e, por isso, as construções sobre esses solos precisam de muita atenção.
  • As fundações dos edifícios. Os edifícios construídos na época têm fundações diretas com sapatas². Como a camada superficial de areia é compacta, acreditava-se que uma fundação rasa seria suficiente. Com o tempo, percebeu-se que, devido ao solo mole abaixo da areia, os edifícios tinham grandes chances de sofrer recalque. Mesmo assim, as construtoras continuaram usando o mesmo tipo de fundação por julgarem as demais opções economicamente inviáveis.

²Sapata – Tipo de fundação rasa de uma construção, constituída por um maciço de alvenaria ou concreto armado. (Glossário Geológico)

O resultado foram os característicos prédios tortos da orla de Santos. A grande quantidade de edifícios muito próximos gerou altas tensões na camada de argila, que adensou, afundando e inclinando os prédios.

A inclinação dos prédios se dá pela sobreposição dos bulbos de tensão (área de influencia da pressão do edifício sobre o solo) dos prédios. Os prédio inclinam para o lado em que o solo concentra maior tensão.

Fonte: Milititsky; Consoli; Schnaid (2015)

Diversas técnicas foram usadas para estabilizar o recalque dos prédios, como injeções de argamassa para expandir o solo ou uso de estacas profundas que ultrapassam a camada de argila. O caso dos prédios de Santos deixa o alerta de como é extremamente importante conhecermos os solos sobre os quais vivemos e, no caso, construímos.       

Sabia que esse é o mesmo caso da Torre de Pisa?

A  torre, construída entre 1173 e 1372, foi erguida  sobre uma camada de areia que sobrepõe uma camada muito argilosa. A inclinação foi observada durante seus 199 anos de construção e, na tentativa de compensar a inclinação, seus últimos andares foram feitos mais altos de um lado.

Imagem: Reprodução Ray Harrington/Unsplash

Fontes consultadas:

DIAS, M. S. Análise do Comportamento de Edifícios Apoiados em Fundação Direta no Bairro da Ponta da Praia na Cidade de Santos. p. 145, 2010.

https://www.cimentoitambe.com.br/massa-cinzenta/predios-tortos-de-santos-como-eles-estao-hoje/

LEITÃO DIAS, L. K.; TELES ANDRADE, A. C. O.; DANTAS, E. S.; ARAÚJO, M. E. P.; SILVA, M. de J. Geotecnia: fundações e obras de terra. Caderno de Graduação – Ciências Exatas e Tecnológicas – UNIT – SERGIPE[S. l.], v. 1, n. 2, p. 27–43, 2013. Disponível em: https://periodicos.set.edu.br/cadernoexatas/article/view/315. Acesso em: 14 jun. 2021.

MILITITSKY, J.: CONSOLI, C.; SCHNAID, F. Patologia das fundações. São Paulo: Oficina de Textos, 2015. Disponível em: <http://ofitexto.arquivos.s3.amazonaws.com/Patologia-das-fundacoes-2ed-DEG.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2021.


Texto escrito por Tainá Nogueira de Almeida

Edição: Diego F.T. Machado

Fotografia da Capa: Reprodução https://www.maissantos.com.br/


Geografia, solos e paisagem

por Diego Machado

Perguntamos a Dra. Grace B. Alves (UFBA) e ao Dr. José João Lelis (UFV) quais as contribuições da geografia para os estudos sobre os solos, e qual a importância em compreender as relações entre solo e paisagem?


MUITO MAIS DO QUE O CHÃO QUE PISAMOS…

GA – Nosso alimento depende dos solos, assim como uso dos solos, seja em ambiente rural ou urbano, o solo possui ainda função de filtro e armazenamento de água (é mais importante nas rochas sedimentares, mas passa pelos solos), serve para a produção de fibras das roupas que vestimos, pode servir de matéria prima para extração de ferro e alumínio, por exemplo, de material de construção e para fabricação de cerâmica, entre outras coisas, para ficarmos dentro das funções mais básicas. Todos estes exemplos só ressaltam a importância dos solos e seu conhecimento.


Funções do Solo
As funções do solo – disponível em http://www.fao.org/3/ax374pt/ax374pt.pdf

PEDOLOGIA E GEOGRAFIA – ENTRE ESCALAS E FENÔMENOS

JJ – O solo é agente síntese da paisagem e o melhor estratificador de ambientes, portanto a Geografia precisa integrar o solo em suas análises para melhor compreender a dinâmica espacial.

GA – Se pegarmos o exemplo de uma represa hidrelétrica construída em Tocantins que alagou uma extensa área de Plintossolos (solos que apresentam acumulação de ferro) e depois passou a apresentar processos erosivos com o surgimento generalizado de pipes, feições erosivas que formam verdadeiros túneis com grande retirada de material, o entendimento do funcionamento destes solos na paisagem teria servido para indicar que esse seria o curso normal da evolução das vertentes e dos processos erosivos, frente a modificação do nível de base em um solo que possui um funcionamento específico.


Pipies – “vazios tubulares ou passagens no solo que podem variar em tamanho de conduítes estreitos com apenas alguns milímetros de diâmetro a túneis com pelo menos muitos centímetros de diâmetro” Na figura – B. Piping com desabamento recente do teto no horizonte C; D. Piping com teto relativamente preservado. Fonte: Sousa e Correchel 2015

JJ – [do ponto de vista da ocupação das terras] por exemplo, não há como descrever e interpretar a ocupação do cerrado por monoculturas e avanço do desmatamento sobre a Amazônica sem considerar o solo como elemento chave.

JJ – Como estudar a desertificação de terras semiáridas no Brasil sem considerar a perda de qualidade do solo? Da mesma forma, não há como explicar a diversidade de fitofisionominas dentro dos domínios morfoclimáticos sem considerar a disponibilidade de água e nutrientes no solo.

JJ – Grande parte da população mais carente no Brasil depende essencialmente do solo para sua subsistência. Todavia, não temos resultados satisfatórios que mensuram o percentual de terras degradadas no Brasil. É papel da Geografia contribuir com esses estudos e encontrar soluções.

SOLOS & PAISAGEM… & PLANEJAMENTO TERRITORIAL & EDUCAÇÃO & […]

GA – Acredito que a Geografia tem muito a ganhar com o aprofundamento do conhecimento sobre os solos, para além das questões sobre evolução da paisagem, que são minhas preferidas. Os solos são importantíssimos para discutir planejamento urbano e territorial, não basta só identificar as classes de solos presentes e as características de relevo, é necessário ter o entendimento do funcionamento, entendimento que se torna possível inclusive através da compreensão da evolução da paisagem. É preciso ainda popularizar o conhecimento dos solos no ensino básico e em espaços não formais, nossa vida é muito dependente dos solos para só sabermos que eles possuem horizontes A, B e C, ou que se subdividem em classes.

GA – Acabo de finalizar a orientação do trabalho de Izis Santiago que traz algumas destas questões relacionando os solos com susceptibilidade ambiental e vulnerabilidade social, para discutir no ensino básico os deslizamentos e alagamentos em Salvador. Verificamos um interesse muito grande no assunto e foi possível fomentar esta discussão correlacionando diferentes elementos, sem fechar a discussão na Pedologia. Acho que esse é o nosso principal interesse na Rede, não queremos fechar a discussão somente na Pedologia, ou na Geografia Física, queremos discutir com profissionais de diferentes áreas, ver o que mais podemos aprender, como podemos cooperar e quais conhecimentos podemos fornecer neste processo.


Movimento de massa ocorrido na localidade do Barro Branco, Salvador – BA.
Fonte: Manu Dias/ Governo da Bahia/Divulgação.

SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES DA GEOGRAFIA PARA OS ESTUDOS EM SOLOS

JJ – Em geral, geógrafxs possuem uma formação mais profunda em geomorfologia, arqueologia, geoprocessamento e até mesmo geologia do que outros profissionais que contribuem com a Pedologia. Isso nos confere um olhar diferenciado sobre a gênese do solo. Tais conhecimentos nos permitem entender como os processos pedogenéticos ocorrem em diferentes escalas do tempo e espaço, bem como avaliar a como os fatores de formação do solo interagem de forma diferente considerando essas escalas. Um dos exemplos práticos de como a Geografia pode contribuir com a Pedologia é no estudo de solos urbanos. Por tradição essa não é uma área de interesse da Agronomia e são escassos os estudos dessa temática no Brasil.

GA – Acredito que é mais fácil para profissionais de Geografia trabalharem em equipes multidisciplinares devido as características próprias da nossa formação, isso facilita fazer a ponte com outras áreas, mas isso também é observado em especialistas em solos formados em diferentes áreas, porque o entendimento dos solos também nos leva a interagir com diferentes campos da ciência. Neste contexto, a compreensão das relações entre solo e paisagem é importantíssima para o entendimento da evolução da própria paisagem, para o planejamento territorial e para projeções futuras, frente as alterações climáticas que estamos observando.

LP – Atualmente, estamos passando por um período de retomada dos estudos relacionados a geografia dos solos. Neste contexto, no Brasil, quais as contribuições da geografia para os estudos sobre a distribuição espacial dos solos na paisagem?

GA – Não sei se Geografia dos Solos dá conta de explicar tudo o que tem sido feito no Brasil, em termos de estudos de solo e paisagem. Quando comparamos os trabalhos realizados no exterior com os daqui, é possível perceber que os nossos se mostram mais amplos e com uma discussão evolutiva mais destacada, não restringindo à distribuição dos solos, ou mesmo o seu funcionamento, dependendo a definição de Geografia dos solos adotada, acho que isso ficou bem evidente dentro das apresentações das “Trajetórias dos solos à paisagem” (TSP).

Então, há muitas coisas a serem consideradas para responder sobre a Geografia dos solos. Diante do que temos discutido e levantado, acredito que no Brasil ultrapassamos e não delimitamos nossas discussões ao que é entendido como Geografia dos Solos, embora essa área tenha ganhado certo destaque nas últimas décadas, o que é feito no Brasil tem um foco maior nas características de relevo, podemos até retomar as colocações de Volkoff (1984), de que no Brasil o clima não é suficiente para entender a distribuição dos solos, é preciso considerar a evolução do relevo, que por vezes pode até ressaltar o papel da litologia ao revelá-la pelos processos de denudação.

Assim, me parece que as relações expostas através da observação dos solos na paisagem, indicam que o seu entendimento não pode ser separado da compreensão da evolução do relevo e até mesmo dos grandes conjuntos de vegetação, como exposto para as paisagens sertanejas (Alves, 2019), compreendendo inclusive que durante o tempo geológico todos os elementos da paisagem se diferenciaram, impulsionados sobretudo pelo clima existente. Dessa forma, não dá para entender os solos com base apenas nos processos e elementos da paisagem atuais.

No segundo semestre do ano passados várias pessoas do núcleo inicial [da Rede de Estudos Avançados sobre Solo e Relevo – SOPA] participaram da disciplina “Solos e Paisagem: Escalas, Relações e Métodos de Estudo” ofertada pela professora Selma Simões de Castro, na pós-graduação em Solos e nutrição de plantas, da ESALQ-USP. Passamos o semestre discutindo o assunto na disciplina e nas lives TSP. Desta disciplina construímos um artigo que discute Topossequências e Catenas, juntando Fábio, Valdomiro e Eu, e juntamente com as contribuições da professora Selma, deveremos enviar para publicação em breve. Motivados por esta discussão e por convite da professora Selma, Fábio e eu participamos de uma discussão sobre Geografia dos Solos e Solo e Paisagem, numa publicação* que deverá sair em breve, e que trará uma contribuição mais detalhada do que estou pincelando aqui. 

*CASTRO, S.S.;  ALVES, G.B.; OLIVEIRA, F.S. 2021. Solo e Paisagem: principais abordagens no estudo das interrelações.  In: Perez Filho et al. Geografia: teorias, métodos e aplicações na perspectiva ambiental. Geografia IGEO/UNICAMP, Ed. Consequência. (Cap.no prelo).


SAIBA MAIS – TSP Ep.1 – Solo e Paisagem da Geografia do Solo à Pedogeomorfologia


Edição: Diego F. T. Machado

Foto da Capa: Divulgação projeto Radam Brasil


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O Que é Permafrost e por que se importar?

por Thaís N. Fioravanti

À medida que o solo congelado derrete de modo acelerado, ele altera a paisagem, libera gases do efeito estufa e pode revelar perigos ainda desconhecidos.


PERMAFROST termo em inglês que poderia ser traduzido livremente como “permanentemente congelado“. Uma conceituação mais formal, como a apresentada pela API (International Permafrost Association), define permafrost como uma superfície que permanece a temperaturas abaixo de 0º por pelo menos 2 anos consecutivos e que pode ser constituída tanto por solo, como rochas, gelo, sedimentos e matéria orgânica. Sua ocorrência está ligada com ambientes periglaciais1

1Periglaciais: Condição ou ambiente que ocorre junto às áreas glaciais, nas regiões de degelo e circunvizinhas… (Glossário Geológico)

Com base na descrição apontada pelo  Glossário Geológico Ilustrado (2021) permafrost ocupam cerca de 20% da superfície terrestre e aproximadamente 1/3 de sua totalidade está para degelar e em alguns lugares já encontram-se em pleno degelo2.


Degelo do permafrost perto do Lago Wolverine, Alaska

Derretimento do permafrost no litoral ártico

2Degelo: fenômeno causado pelo derretimento paulatino das massas de gelo e de neve existentes na superfície da Terra, provocado pelo aumento da temperatura ambiente


Mas por que isso é tão preocupante?

– Primeiro, o degelo dos permafrost em níveis relativamente rápidos é um indício das constantes mudanças climáticas que estão ocorrendo nos últimos tempos. O permafrost é coberto por alguns metros de terra e detritos vegetais, camada essa que sempre congela no inverno e derrete no verão. No entanto, em 2018, essa camada não havia congelado no inverno ártico. A degradação do permafrost já afeta fatores hidrológicos do platô tibetano.

– Segundo que, por se tratarem de solos antigos eles contem uma grande quantidade de vestígios da vida antiga que por sua vez, preservam no seu interior também grandes quantidades de gases como o dióxido de carbono e o metano.

De acordo com uma reportagem da National Geographic (2020):

“pesquisadores agora suspeitam que, para cada aumento de um grau Celsius na temperatura média da Terra, o permafrost possa liberar o equivalente a quatro a seis anos de emissão de carvão, petróleo e gás natural”.

Uma outra questão, tratada em uma reportagem pela BBC (2017), é que por estarem congelados por milhares de anos, esses solos podem liberar antigos vírus e bactérias antes presentes nos restos animais e humanos preservados nesse ambiente.

Para Boris Revich e Marina Podolnaya, pesquisadores da Academia Russa de Ciências (Moscow):

“Como consequência do derretimento do permafrost, os vetores de infecções mortais dos séculos 18 e 19 podem voltar, especialmente perto dos cemitérios onde as vítimas dessas infecções foram enterradas.”

Dessa forma, os permafrost tem ganhado grande destaque nas discussões em relação ao aquecimento global. Se tornando um tema de grande preocupação para os próximos anos, fazendo com que fiquemos mais alertas em relação às nossas próprias emissões de gases na atmosfera.


Tipos de solos na Antártica

Antártica ou Antártida? Como inserir o tema Antártica no currículo escolar. Este é um curso introdutório sobre o continente antártico e pretende apresentar temas gerais para que você possa trabalhar nas salas de aula do Ensino. Disponível em http://moodlecmcc.ufabc.edu.br/ Mais informações: convergenciaxxi@gmail.com https://www.interantar.com


Para saber mais

Conheça um pouco mais sobre o continente gelado com as contribuições do prof. Dr. Alessandro Batezelli (IG UNICAMP) no episódio 01 da segunda temporada do Magmacat – Podcast de Divulgação das Geociências.

MATERIAL CONSULTADO

Dobinski, W. (2011). Permafrost. Earth-Science Reviews108(3-4), 158-169.

Revich, B. A.; Podolnaya, M.A. (2011). Thawing of permafrost may distrub historic cattle burial grounds in East Siberia. Global Health Action, vol. 4, n.1.

NATIONAL GEOGRAPHIC (2020). Permafrost do Ártico está descongelando em ritmo acelerado, e consequências são para todos. acessado em 12 de maio de 2021.

BBC (2017). There are diseases hidden in ice, and they are waking up. acessado em 12 de maio de 2021.


Texto escrito por Thaís N. Fioravanti

Edição: Diego F.T. Machado

Fotografia da Capa: Public Co por Pixabay


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REDE SOPA – Da trajetória dos Solos a Paisagem ao XIV ENANPEGE

por Diego F. T. Machado

Entrevista com a Dra. Grace B. Alves (UFBA) e Dr. José João Lelis (UFV) sobre a Rede Estudos Avançados da Relação Solo-Paisagem e o GT – SOPA: Diferentes perspectivas dos solos à Paisagem no XIV ENANPEGE.


Motivados por um interesse comum, pesquisadoras e pesquisadores dedicados a compreensão das belas e complexas relações entre os solos e as paisagens, se reúnem para uma grande SOPA.

A Rede de Estudos Avançados da Relação Solo-Paisagem (SOPA) já deu seus primeiros frutos, e a profa. Dra. Grace Alves e o prof. José João Lelis, gentilmente concederam uma entrevista ao blog Coluna Solo para conhecermos um pouquinho mais dessa iniciativa e saber quais são as expectativas para um futuro próximo e sobre a participação no XIV Encontro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia.

Grace Bungenstab Alves – Geógrafa e Dra. em Geografia pela USP. É Professora de Geografia Física na UFBA (Universidade Federal da Bahia)
José João Lelis de Souza – Geógrafo, Dr. em Solos e Nutrição de Plantas pela UFV. É professor do Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa.

LP: Como surgiu a ideia da construção da SOPA (Rede Estudos Avançados da Relação Solo-Paisagem)?

GA: Eu (Grace Alves) e Fábio (Oliveira) já havíamos discutido sobre a necessidade de construirmos fóruns para discutir o solo na paisagem e a importância dos solos para a Geografia, sobretudo dentro de eventos da Geografia. Fomos para o campo de Quixadá, em junho de 2019, organizado dentro do XVIII Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada, em Fortaleza, discutindo sobre isso e começamos a levantar possibilidade de propormos um workshop na próxima edição do evento, ideia que ainda não discutimos com a coordenação do próximo evento.

No final de 2019 participamos da RCC (Reunião de Correlação e Classificação de Solos), que ocorreu no Maranhão e que é organizada pela SBCS, quando fomos agregando mais gente nesta SOPA e discutindo sobre estas ideias, agregando pessoas da geografia e de outras áreas. Foi a primeira vez que a RCC reuniu um grupo 11 pessoas formadas em Geografia, a maior parte especialistas na área de solo e paisagem. Acabamos trazendo algumas discussões sobre a paisagem e intensificado, sobretudo entre os amigos da Geografia, a necessidade de discussões em fóruns próprios.

O grupo de Geografas e Geógrafos reunidos durante o XIII RCC 2019, Maranhão – Foto concedida por Grace B. Alves

O XIII RCC realizada em outubro de 2019 contribuiu com informações para o aprimoramento do Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS), e a geração de conhecimentos sobre o recurso solo e de outros componentes do meio físico natural do Maranhão. (saiba mais)


LP: Quem são as pessoas envolvidas na construção da SOPA?

GA: Ainda estamos em processo de construção e formalização da rede. Motivado pelos laços de amizade que fomos formando e pela convergência do pensamento científico e linhas teóricas, neste grupo estão Fábio Oliveira, Caroline Delpupo, Sheila Furquim, Márcia Calegari, Adriana Costa, Valdomiro Souza Jr., e mais recentemente contamos com o José João Lelis, mais conhecido como JJ. O JJ inclusive que propôs a criação do GT na ENANPEGE.

Durante as “Trajetórias dos solos à paisagem” também construímos uma boa relação com todas as pessoas que fizeram parte das apresentações, esperamos estreitar os laços de pesquisa e atuação profissional com todas estas pessoas, e dentro do possível aumentar a nossa rede. A proposta do GT também vai nesta linha, de conhecer e viabilizar novos contatos de pessoas interessadas com esta linha de pesquisa.

LP: Conte-nos sobre o Projeto Trajetórias dos Solos à Paisagem…

GA: Com o início da pandemia e das lives, discutimos a possibilidade de criarmos uma série de apresentações com pesquisadores na linha de solo e paisagem, discutimos os temas e os nomes das pessoas que poderiam contribuir, eu e o Fábio ficamos responsáveis por encabeçar a proposta.

Conseguimos viabilizar isso através de um projeto de extensão na UFBA, contando com o apoio do Grupo Colapso (UFBA), Pedogeo (UFMG) e LABPED UNICAMP, o que tornou possível a realização das “Trajetórias dos solos à paisagem”. Esse projeto foi uma iniciativa inicial para reunirmos diferentes pessoas preocupadas com a temática solo e paisagem, buscando entender as diferentes abordagens e permitindo que isso pudesse ser mais conhecido nacionalmente.

Divulgação Projeto Trajetórias dos Solos à Paisagem

Divulgação TSP Ep.1 – Solo e Paisagem: da Geografia do solo à Pedogeomorfologia

LP: Está no escopo da rede a realização de novas ações como esta?

GA: Agora queremos diversificar e redirecionar as ações, estamos trabalhando em publicações, também estamos com propostas de novos projetos de pesquisa. Ainda queremos organizar uma publicação com todas as pessoas que participaram das TSP, isso está nos planos, mas ainda estamos discutindo como viabilizar.

A criação do GT na ENANPEGE está dentro destas novas ações para firmar as discussões de Solo e Paisagem construindo fóruns, principalmente na Geografia, mas queremos muito contar com pessoas de diferentes áreas de formação, por entender que isso só enriquece o debate. Talvez no futuro poderemos organizar novas apresentações, mas o mais provável é que possamos colaborar com iniciativas de outras pessoas, no que diz respeito a apresentações online.

Acredito que o GT será uma ótima oportunidade para discutirmos as futuras ações para fortalecer a linha de pesquisa sobre solos e paisagem, e a própria rede.

LP: A Rede SOPA está à frente de um dos Grupos de Trabalho do Enanpege 2021. O que motivou o envio da proposta?

JJ: Essencialmente são dois pontos: a) congregar estudos e pesquisadorxs da interface solo-paisagem realizados por geógrafxs em um evento no seio da Geografia. Há tradicionais eventos da Pedologia que congregam diferentes profissionais e permitem estudos interdisciplinares, mas também é necessário que a Geografia, per si, reflita  sobre o solo, e; b) a necessidade de ocupar um espaço de fala. Historicamente o ENANPEGE e outros eventos da Geografia não possuem temáticas voltadas ao estudo de solos. Logo é importante concretizar esse interesse comum com ações.

Os coordenadorxs do GT são geográfxs com diferentes formações e experiências dentro da Pedologia e áreas afins. Acredito que surgirão discussões enriquecedoras sobre teses e dissertações que envolveram o solo como elemento da paisagem. É importante mencionar que nem todos os membros do SOPA puderam coordenar o GT, pois o ENANPEGE limita o número de cadeiras, mas todxs estarão presentes. Esperamos que a comunidade científica abrace o GT e participe do ENANPEGE.

Logo XIV ENANPEGE – A Geografia que fala ao Brasil: ciência geográfica na pandemia ultraliberal. De 10 a 15 de outubro de 2021 – Online

O envio de trabalhos está aberto até 21/6, mais informações podem ser obtidas no site do ENANPEGE e o nosso GT é o de n. 27.

LP: O que esperar do GT – SOPA: Diferentes perspectivas dos solos à Paisagem?

GA: Estamos bastante animados com esta proposta, será nossa primeira ação dentro do nosso objetivo inicial que é criar fóruns de discussão sobre o assunto. Esperamos poder discutir as múltiplas possibilidades que esta linha suscita, queremos contar com pessoas do Brasil todo.

JJ: Pretendemos expor como o solo pode ser utilizado para entender o passado, analisar o presente e prever o futuro através de diferentes técnicas. Espaços agrário e urbano, hoje tão íntimos, serão abordados sobre as perspectivas de degradação, manejo e recuperação ambiental. Nossa proposta abrange ainda trabalhos de interface com outras ciências, como a Arqueologia e Geomorfologia.

GA: Destaco aqui a proposta enviada, na qual nos propomos fomentar a discussão de temas de interesse da Geografia, tais como:

a) distribuição e padrões de solos na paisagem;

b) mapeamento e classificação de solos;

c) pedogênese e indicadores de mudanças ambientais;

d) organização e funcionamento dos solos na paisagem;

e) interações pedogeomorfológicas;

f) impactos ambientais mensurados a partir do solo;

g) etnopedologia e conhecimentos tradicionais como forma de apropriação do espaço;

h) pedoarqueologia, produção de solos por comunidades ancestrais;

i) SUITMAs, que englobam solos de áreas urbanas, industriais e mineradas.

Buscamos desta forma trazer à tona que o solo não é um simples elemento na paisagem, pois além de servir como síntese da paisagem, também é um agente. A proposta é bastante ampla, mas esperamos justamente buscar o que nos une nesta discussão, que é o solo.

Quero aproveitar para convidar a todas e todos para fazerem parte do GT e ajudar a construir e fortalecer as discussões sobre solos e paisagens com a gente.


LP: Como podemos acompanhar as atividades da Rede Sopa?

GA: Nós temos divulgado nossas ações nos perfis dos Grupos de Pesquisa coordenados pelos pesquisadores e pesquisadoras que fazem parte da Rede SOPA, além dos perfis das instituições que estamos vinculados e vinculadas, vocês podem acessar através dos seguintes direcionamentos:

Grupo Colapso (UFBA) – @colapso.ggf no Facebook, Instagram e Twitter

Grupo Pedogeo (UFMG) – @grupo_pedogeo no Instagram

Geografia IFMG, campus Ouro Preto- @geografiaifmg_op no Instagram

Laboratório de Estudo da Dinâmica Ambiental, UNIOESTE, campus Marechal Candido Rondon- @LEDAUNIOESTE no Facebook

Além disso, contamos há inúmeros outros canais que auxiliam na divulgação, como é o caso do LABPED.


Edição: Diego F. T. Machado

Foto da Capa: Paisagem das superfícies de topo dos Patamares de Canastra, região de Tapira, MG. Diego F. T. Machado


Kerameikos, sitio arqueológico em Atenas, Grécia

Geoarqueologia: a interpretação da história registrada nos solos

por Thaís N. Fioravanti

O esforço multidisciplinar para compreender as circunstâncias do uso e ocupação das terras pela humanidade.


Geoarqueologia é uma disciplina que utiliza os conhecimentos de geologia, e se apropria dos princípios da pedologia, sedimentologia, geomorfologia, geocronologia, geofísica e estratigrafia para compreender e identificar as circunstâncias que levaram a formação do sítio, sua preservação e consequentemente sua história.

A interação entre o meio físico e a ocupação humana antiga pode ser estudada a partir do momento em que a arqueologia busca novas ferramentas para tentar compreender essa relação do homem com o ambiente. Muitas das atividades desenvolvidas por esses grupos pré-históricos ficam registradas no solo, a partir disso, é que a pedologia entra como uma ferramenta importante de estudo.

A geoarqueologia só surgiu e se tornou uma disciplina após a publicação do livro “Geoarchaeology: Earth Science and the Past”, de Davidson e Shackley (1976), no qual Renfrew (1976) criou a expressão e a publicou em seu prefácio.

No Brasil tem destaque as Terras pretas de índio ou terras pretas arqueológicas, localizados na região norte do país e que já foram estudados por diversos pesquisadores (Woods e McCann, 1999; Lima et. al., 2002; Glaser e Birk, 2012; Macedo et al., 2017; Santos et al., 2018). Nas regiões litorâneas também podemos citar os sambaquis, solos esses que podem datar de 8.000 até 2.000 AP (Prous, 1992).

Outros casos são solos encontrados em abrigos sobre rochas e cavernas, que proporcionam um ambiente ainda mais adequado a preservação das características desenvolvidas por determinado grupo humano.

Para identificar essas características, podemos observar mudanças tanto nas características químicas, como também físicas e macromorfológicas. Determinados elementos químicos, principalmente Ca e P, se sobressaem nas análises químicas. As terras pretas arqueológicas possuem esse aspecto, além de apresentarem também coloração mais escura em relação aos outros solos da região.

Para saber mais sobre Mudanças químicas ocorridas nas terras pretas arqueológicas a partir das atividades desenvolvidas pelo homem. Acesse!

No caso dos sambaquis é possível observar restos de alimentos que eram consumidos pela população e que ainda hoje se encontram organizados em uma sucessão estratigráfica, onde encontram-se camadas de conchas intercaladas com camadas de material mais fino e de coloração escura (indicando a presença de matéria orgânica), esses sítios podem alcançar 70 metros de altura e 500 metros de comprimento (DeBlasis et. al. 2007).

Sucessão estratigráfica do sambaqui Lagoa Bonita 17, com identificação das fácies apresentadas e a descrição das arqueofácies identificadas no estudo dos perfis. Fotos: Ximena Villagran (2015), em VILLAGRAN et al. 2018

Abrigos em cavernas, principalmente cavernas de calcário são ambientes com grande habilidade de preservação (Vasconcelos et. al.), podendo encontrar ossos animais, além de pinturas nas paredes.

Dessa forma, percebe-se a importância não só da pedologia, mas de outras áreas da geociências nos estudos arqueológicos, ajudando em interpretações sobre a evolução do sítio, como era o modo de vida desses grupos pré-históricos e como se dava a sua interação com a paisagem.


Recomendação – Documentário Caverna dos Sonhos Esquecidos de Werner Herzog

Videoensaio, de Matheus Benites tendo como base o documentário Caverna dos Sonhos Esquecidos de Werner Herzog

Para saber mais

Davidson, D. A.; Shackley, M. L. 1976. Geoarchaeology: earth science and the past:(papers)/edited by DA Davidson and ML Shackley.

Nowatzki, C. H. (2005). Fundamentos de geologia arqueológica. Núcleo de Estudos e pesquisas em geologia arqueológica–NEPGEA, São Leopoldo–RS.

Renfrew, C. 1976. Archaeology and the earth sciences. Geoarchaeology: earth science and the past, p. 1-5.


REFERENCIAS

Campos, M. C. C., Dos Santos, L. A. C., Da Silva, D. M. P., Mantovanelli, B. C., & Soares, M. D. R. (2012). Caracterização física e química de terras pretas arqueológicas e de solos não antropogênicos na região de Manicoré, Amazonas. Revista agro@ mbiente on-line6(2), 102-109.

DeBlasis, P., Kneip, A., Scheel-Ybert, R., Giannini, P. C., & Gaspar, M. D. (2007). Sambaquis e paisagem: dinâmica natural e arqueologia regional no litoral do sul do Brasil. Arqueologia suramericana3(1), 29-61.

Glaser, B., & Birk, J. J. (2012). State of the scientific knowledge on properties and genesis of Anthropogenic Dark Earths in Central Amazonia (terra preta de Índio). Geochimica et Cosmochimica acta, 82, 39-51.

LIMA, H. N.; SCHAEFER, C. E. R.; MELLO, J. W. V.; GILKES, R. J, KER, J. C. Pedogenesis and pre-Columbian land use of Terra Preta Anthrosols” (“Indian black earth”) of Western Amazonia. Geoderma. 2002; 110:1-17. https://doi.org/10.1016/S0016-7061(02)00141-6.

Macedo, R. S., Teixeira, W. G., Corrêa, M. M., Martins, G. C., & Vidal-Torrado, P. (2017). Pedogenetic processes in anthrosols with pretic horizon (Amazonian Dark Earth) in Central Amazon, Brazil. PLoS One12(5), e0178038.

PROUS, A. Arqueologia brasileira. Brasília, Universidade de Brasília, 1992. 613p.

Santos, L. A. C. D., Campos, M. C. C., Aquino, R. E. D., Bergamin, A. C., Silva, D. M. P. D., Marques Junior, J., & França, A. B. C. (2013). Caracterização de terras pretas arqueológicas no sul do estado do Amazonas. Revista Brasileira de Ciência do Solo37(4), 825-836.

Santos, L. A. C. D., Araujo, J. K. S., Souza Júnior, V. S. D., Campos, M. C. C., Corrêa, M. M., & Souza, R. A. D. S. (2018). Pedogenesis in an Archaeological Dark Earth–Mulatto Earth Catena over Volcanic Rocks in Western Amazonia, Brazil. Revista Brasileira de Ciência do Solo42.

Vasconcelos, B. N. F., Ker, J. C., Schaefer, C. E. G. R., Poirier, A. P. P., & Andrade, F. V. (2013). Antropossolos em sítios arqueológicos de ambiente cárstico no norte de Minas Gerais. Revista Brasileira de Ciência do Solo37(4), 986-996.

Villagran, X. S. et al. (2018). Os primeiros povoadores do litoral norte do Espírito Santo: uma nova abordagem na arqueologia de sambaquis capixabas. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 13, n. 3, p. 573-596.

Woods, W. I., & McCann, J. M. (1999). The anthropogenic origin and persistence of Amazonian dark earths. In Yearbook. Conference of latin americanist Geographers (pp. 7-14). Conference of Latin Americanist Geographers.


Texto escrito por Thaís N. Fioravanti

Edição: Diego F.T. Machado

Fotografia da Capa: Giovanni Dall’Orto – Kerameikos, sitio arqueológico em Atenas, Grécia

SOLOS DE CARAGUATATUBA

Por : Pedro Michelutti

A Planície de Caraguatatuba mostra-se como discrepante no setor costeiro que situa-se. Apresenta-se com uma planície ampla, em contraste com as planícies estreitas e rentes as escarpas da Serra do Mar que marcam o litoral norte de SP. A gênese dos sedimentos locais não é dada apenas por deposição marinha, mas também pelas modificações que os canais fluviais sofrem com as mudanças do nível de base, bem como pelos depósitos gravitacionais, que colmatam as lagunas naturais que se conformaram na área, assim como soterram os depósitos arenosos sedimentados preteritamente.

A caracterização dos solos originados em meio a esse contexto e de sua distribuição espacial foi tema de estudo de Estéfano Seneme Gobbi. A compreensão e espacialização dos eventos responsáveis pela gênese da planície constituem o objetivo de sua pesquisa, que busca relacionar, na Planície Sedimentar de Caraguatatuba, os sedimentos marinhos, fluviais e gravitacionais, por sua gênese e evolução. Utilizou-se de tradagens e análise de textura, assim como análises laboratoriais de amostras coletadas em trincheiras. Durante os estudos foram verificadas as ocorrências de materiais grosseiros próximos às escarpas cristalinas (depositos gravitacionais preteritos), por vezes recobertos por material argiloso (possiveis depositos marinhos), corroborando com as hipóteses levantadas.

Mapa de Localização das Trincheiras na Planície Sedimentar de Caraguatatuba

Leia mais aqui http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/287310