Kerameikos, sitio arqueológico em Atenas, Grécia

Geoarqueologia: a interpretação da história registrada nos solos

por Thaís N. Fioravanti

O esforço multidisciplinar para compreender as circunstâncias do uso e ocupação das terras pela humanidade.


Geoarqueologia é uma disciplina que utiliza os conhecimentos de geologia, e se apropria dos princípios da pedologia, sedimentologia, geomorfologia, geocronologia, geofísica e estratigrafia para compreender e identificar as circunstâncias que levaram a formação do sítio, sua preservação e consequentemente sua história.

A interação entre o meio físico e a ocupação humana antiga pode ser estudada a partir do momento em que a arqueologia busca novas ferramentas para tentar compreender essa relação do homem com o ambiente. Muitas das atividades desenvolvidas por esses grupos pré-históricos ficam registradas no solo, a partir disso, é que a pedologia entra como uma ferramenta importante de estudo.

A geoarqueologia só surgiu e se tornou uma disciplina após a publicação do livro “Geoarchaeology: Earth Science and the Past”, de Davidson e Shackley (1976), no qual Renfrew (1976) criou a expressão e a publicou em seu prefácio.

No Brasil tem destaque as Terras pretas de índio ou terras pretas arqueológicas, localizados na região norte do país e que já foram estudados por diversos pesquisadores (Woods e McCann, 1999; Lima et. al., 2002; Glaser e Birk, 2012; Macedo et al., 2017; Santos et al., 2018). Nas regiões litorâneas também podemos citar os sambaquis, solos esses que podem datar de 8.000 até 2.000 AP (Prous, 1992).

Outros casos são solos encontrados em abrigos sobre rochas e cavernas, que proporcionam um ambiente ainda mais adequado a preservação das características desenvolvidas por determinado grupo humano.

Para identificar essas características, podemos observar mudanças tanto nas características químicas, como também físicas e macromorfológicas. Determinados elementos químicos, principalmente Ca e P, se sobressaem nas análises químicas. As terras pretas arqueológicas possuem esse aspecto, além de apresentarem também coloração mais escura em relação aos outros solos da região.

Para saber mais sobre Mudanças químicas ocorridas nas terras pretas arqueológicas a partir das atividades desenvolvidas pelo homem. Acesse!

No caso dos sambaquis é possível observar restos de alimentos que eram consumidos pela população e que ainda hoje se encontram organizados em uma sucessão estratigráfica, onde encontram-se camadas de conchas intercaladas com camadas de material mais fino e de coloração escura (indicando a presença de matéria orgânica), esses sítios podem alcançar 70 metros de altura e 500 metros de comprimento (DeBlasis et. al. 2007).

Sucessão estratigráfica do sambaqui Lagoa Bonita 17, com identificação das fácies apresentadas e a descrição das arqueofácies identificadas no estudo dos perfis. Fotos: Ximena Villagran (2015), em VILLAGRAN et al. 2018

Abrigos em cavernas, principalmente cavernas de calcário são ambientes com grande habilidade de preservação (Vasconcelos et. al.), podendo encontrar ossos animais, além de pinturas nas paredes.

Dessa forma, percebe-se a importância não só da pedologia, mas de outras áreas da geociências nos estudos arqueológicos, ajudando em interpretações sobre a evolução do sítio, como era o modo de vida desses grupos pré-históricos e como se dava a sua interação com a paisagem.


Recomendação – Documentário Caverna dos Sonhos Esquecidos de Werner Herzog

Videoensaio, de Matheus Benites tendo como base o documentário Caverna dos Sonhos Esquecidos de Werner Herzog

Para saber mais

Davidson, D. A.; Shackley, M. L. 1976. Geoarchaeology: earth science and the past:(papers)/edited by DA Davidson and ML Shackley.

Nowatzki, C. H. (2005). Fundamentos de geologia arqueológica. Núcleo de Estudos e pesquisas em geologia arqueológica–NEPGEA, São Leopoldo–RS.

Renfrew, C. 1976. Archaeology and the earth sciences. Geoarchaeology: earth science and the past, p. 1-5.


REFERENCIAS

Campos, M. C. C., Dos Santos, L. A. C., Da Silva, D. M. P., Mantovanelli, B. C., & Soares, M. D. R. (2012). Caracterização física e química de terras pretas arqueológicas e de solos não antropogênicos na região de Manicoré, Amazonas. Revista agro@ mbiente on-line6(2), 102-109.

DeBlasis, P., Kneip, A., Scheel-Ybert, R., Giannini, P. C., & Gaspar, M. D. (2007). Sambaquis e paisagem: dinâmica natural e arqueologia regional no litoral do sul do Brasil. Arqueologia suramericana3(1), 29-61.

Glaser, B., & Birk, J. J. (2012). State of the scientific knowledge on properties and genesis of Anthropogenic Dark Earths in Central Amazonia (terra preta de Índio). Geochimica et Cosmochimica acta, 82, 39-51.

LIMA, H. N.; SCHAEFER, C. E. R.; MELLO, J. W. V.; GILKES, R. J, KER, J. C. Pedogenesis and pre-Columbian land use of Terra Preta Anthrosols” (“Indian black earth”) of Western Amazonia. Geoderma. 2002; 110:1-17. https://doi.org/10.1016/S0016-7061(02)00141-6.

Macedo, R. S., Teixeira, W. G., Corrêa, M. M., Martins, G. C., & Vidal-Torrado, P. (2017). Pedogenetic processes in anthrosols with pretic horizon (Amazonian Dark Earth) in Central Amazon, Brazil. PLoS One12(5), e0178038.

PROUS, A. Arqueologia brasileira. Brasília, Universidade de Brasília, 1992. 613p.

Santos, L. A. C. D., Campos, M. C. C., Aquino, R. E. D., Bergamin, A. C., Silva, D. M. P. D., Marques Junior, J., & França, A. B. C. (2013). Caracterização de terras pretas arqueológicas no sul do estado do Amazonas. Revista Brasileira de Ciência do Solo37(4), 825-836.

Santos, L. A. C. D., Araujo, J. K. S., Souza Júnior, V. S. D., Campos, M. C. C., Corrêa, M. M., & Souza, R. A. D. S. (2018). Pedogenesis in an Archaeological Dark Earth–Mulatto Earth Catena over Volcanic Rocks in Western Amazonia, Brazil. Revista Brasileira de Ciência do Solo42.

Vasconcelos, B. N. F., Ker, J. C., Schaefer, C. E. G. R., Poirier, A. P. P., & Andrade, F. V. (2013). Antropossolos em sítios arqueológicos de ambiente cárstico no norte de Minas Gerais. Revista Brasileira de Ciência do Solo37(4), 986-996.

Villagran, X. S. et al. (2018). Os primeiros povoadores do litoral norte do Espírito Santo: uma nova abordagem na arqueologia de sambaquis capixabas. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 13, n. 3, p. 573-596.

Woods, W. I., & McCann, J. M. (1999). The anthropogenic origin and persistence of Amazonian dark earths. In Yearbook. Conference of latin americanist Geographers (pp. 7-14). Conference of Latin Americanist Geographers.


Texto escrito por Thaís N. Fioravanti

Edição: Diego F.T. Machado

Fotografia da Capa: Giovanni Dall’Orto – Kerameikos, sitio arqueológico em Atenas, Grécia

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