Solo não é sujeira – esse foi o tema da exposição organizada pelo LABPED durante o UPA 2022

por Diego F.T. Machado

No dia 27 de agosto, mais de mil pessoas visitaram o Instituto de Geociências durante o Unicamp de Portas Abertas 2022.


Milhares de alunos do ensino médio participaram do UNICAMP de Portas Abertas, evento anual que tem por objetivo apresentar aos alunos a diversidade de cursos e pesquisas desenvolvidas nos Institutos e Departamentos da Universidade Estadual de Campinas.

Ao longo do dia, cerca de 1160 pessoas visitaram o Instituto de Geociências e tiveram acesso a oficinas, palestras, exposição e interação entre estudantes e professores do IG e aqueles que buscam uma vaga nos diversos cursos da Universidade.

O tema da atividade proposta pela equipe do LABPED foi, “Solo não é Sujeira“. Buscou-se apresentar a diversidade de solos e suas características, demonstrando a importância na identificação, caracterização e espacialização dos diferentes tipos de solo para um uso mais sustentável das terras.

Equipe LABPED no UPA 2022

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Sobre as atividades

A oficina contou com a exposição da Coleção de Monólitos de Solos, projeto em andamento que tem por objetivo apresentar as principais ordens de solo que ocorrem no Município de Campinas – SP e complementarmente, no Brasil.

Os participantes puderam ter uma noção do processo de evolução dos solos, através de uma sequência didática, partindo desde solos pouco desenvolvidos como Neossolos e Cambissolos até os mais intemperizados, como Argissolos e Latossolos.

Um experimento para demonstrar os efeitos da compactação permitiu aos visitantes observar o impacto que este tipo de degradação pode causa no desenvolvimento das raízes das plantas nas características dos solos.

Além disso, durante a oficina de pintura com tintas a base de solos, através de uma abordagem mais lúdica, os alunos puderam conhecer um pouco mais sobre algumas das propriedades que atribuem diferentes características aos solos, como sua composição granulométrica e seus agentes pigmentantes.

Experimento sobre compactação do solo

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Texto e Edição: Diego Fernandes Terra Machado


Conheça o projeto Monolitos de Solos do Instituto de Geociências da UNICAMP

O que são os terrenos tecnogênicos e como eles se relacionam com a perspectiva do Antropoceno?

por: Érika Cristina Nesta Silva –

Um olhar sobre o impacto dos seres humanos a partir das formas destruídas, produzidas e/ou alteradas na superfície terrestre.


Nos últimos anos temos visto, em diversos meios, o quanto a sociedade tem alterado as características naturais de diferentes paisagens, no decorrer do processo de produção do espaço. Nesse sentido, incluem-se as modificações nos aspectos climáticos, da biodiversidade, dos solos, dos relevos, dos componentes geológicos, etc.

Com particular atenção à geomorfologia, geologia e pedologia, a perspectiva dos terrenos tecnogênicos surge como uma possibilidade de classificar e interpretar os resultados da ação da sociedade nos processos e elementos relativos à superfície terrestre.

Cabe observar que quando falamos de “sociedade” não estamos nos referindo a um humano genérico, mas sim, ao estudar essas e outras modificações na paisagem, precisamos sempre esclarecer de QUAL ser humano estamos falando, ou melhor, a qual classe e fração de classe social pertence, especificamente, esses seres humanos que estão causando as modificações e aqueles que estão se beneficiando ou sofrendo as consequências dessas ações.

Os Terrenos Tecnogênicos

A perspectiva de estudo considerando especificamente a terminologia “Terrenos Tecnogênicos” passa a ter destaque no Brasil em 2014 (PELOGGIA et al., 2014), a partir de um artigo publicado com o intuito de propor e discutir uma classificação geológica de terrenos artificiais, ou seja, daqueles terrenos formados e/ou alterados pela ação do ser humano, em situações que resultaram na intensificação de processos erosivos e deposicionais diversos, cortes e aterros originados por ação mecânica direta, além da própria alteração in situ, a exemplo de contaminações, compactações, etc.

Neste processo de discussão e classificação, os autores utilizaram diferentes referenciais, dentre os quais de origem britânica, estudos soviéticos e do leste europeu. Portanto, houve no decorrer da escrita desse artigo, a tentativa de abarcar as diversas situações de geotecnogênese, referente a alterações nos solos, nos sedimentos, nos aspectos geológicos, como cortes nas rochas e mineração, e no relevo. Essa classificação passou por algumas atualizações e hoje boa parte dos trabalhos utilizam a publicada em Peloggia (2017) (Quadro 1).

Geotecnogênese : conjunto da ação humana transformadora sobre o ambiente, envolvendo a alteração dos processos da dinâmica externa, sejam estes erosivos ou deposicionais, resultando na criação de formas de relevo (tecnogênico) e na formação dos depósitos tecnogênicos. (PELOGGIA; OLIVEIRA, 2005).

Classificação de Terrenos Tecnogênicos (Antropogênicos) para a mapeamento geológico e geomorfológico - Fonte: Peloggia (2017).
Quadro 1: Classificação de Terrenos Tecnogênicos (Antropogênicos) para a mapeamento geológico e geomorfológico – Fonte: Peloggia (2017).

O Antropoceno

Ao passo que não dá mais para negar que a sociedade, com suas diversas possibilidades técnicas, tem imprimindo sua marca nas paisagens, surge no início dos anos 2000 a ideia do Antropoceno (CRUTZEN; STOERMER, 2000; CRUTZEN, 2002).

Interpretações e proposições mais recentes, que vem sendo discutidas em diversas esferas, como dentro da Subcommission on Quaternary Stratigraphy (em particular os trabalhos de pesquisadores que fazem parte do Anthropocene Working Group) trabalham com a possibilidade do Antropoceno ser uma nova época geológica, ainda incluída no período Quaternário.

Esta nova época Geológica teria  provável início na metade do século XX, momento a partir do qual intensificam as “assinaturas”, ou melhor, evidências das ações da sociedade nos solos, na elaboração de depósitos artificias, na presença de novos tipos de “minerais” em diversos ambientes, em “antroturbação” (interpretada como uma bioturbação de origem humana), em alterações relativas à elevação do nível do mar, nas alterações geoquímicas na criosfera e nos espeleotemas, além de contaminações nos solos e precipitações de radiogênicos, em particular os específicos dos bombardeios e testes nucleares (WATERS et al., 2014).

“New Awful Changes – the human geological stratum rediscovered”. Acrílico e colagem sobre tela, 100 x 70 cm, por Alex Peloggia, 2018 (obra e explicação sobre ela disponível em: https://ppegeo.igc.usp.br/index.php/rig/issue/view/1228).
Observação sobre a imagem: se, no futuro, o ser humano deixasse de existir e outros seres estudassem o estrato geológico humano, quais seriam as interpretações possíveis sobre as características da espécie humana e de suas diferentes culturas, a partir o registro material? Parte importante desses registros estaria relacionada ao que se está denominando de época do Antropoceno

Mas quais são as possíveis relações dos terrenos tecnogênicos com o Antropoceno?

Uma das principais relações que podemos destacar é que boa parte das evidências relativas ao Antropoceno podem ser encontradas em terrenos tecnogênicos de agradação, como a presença de novos materiais, especialmente plástico e concreto (este último não necessariamente novo, mas mais amplamente utilizado em construções pós Segunda Guerra Mundial, como em reconstruções em cidades europeias). Estes materiais são encontrados em diferentes ambientes (Figura 1), inclusive em aterros, bancos de sedimentos em áreas de planícies aluviais (isso só para destacar a relação com terrenos tecnogênicos, fora a presença, especialmente dos plásticos, em ambientes que teoricamente não possuem ocupação humana direta, mas que foram transportados pelos oceanos).

área com deposição tecnogênica
Figura 1: Exemplo de área com deposição tecnogênica (terreno tecnogênico de agradação) Fonte: Silva (2017).

De acordo como Peloggia (2017), do ponto de vista geológico-geomorfológico, os terrenos tecnogênicos podem ser classificados como em quatro classes:

Agradação – resultantes da acumulação de material

Degradação – remoção ou deslocamento de material

Modificados – derivados da transformação in situ do material

Complexos – terrenos com sobreposição de diferentes ações (agradação e/ou degradação).

Muitos desses materiais, cujo uso cresce vertiginosamente após a metade do século XX (Figura 2), permanecerão nos ambientes como testemunho, numa perspectiva futura arqueológica, das características das sociedades atuais. Ainda em relação a essas deposições, Waters et al. (2018) trabalham com a ideia de que essas áreas de deposições originadas pela ação humana podem ser consideradas entre os possíveis paleoambientes que abarcam marcadores estratigráficos relativos ao Antropoceno.

Figura 2: Crescimento da produção de plásticos desde 1950 – Fonte: Revista Fapesp (https://revistapesquisa.fapesp.br/a-era-humana)

Já no caso de terrenos que tiveram retirada de material em subsuperfície para instalação de infraestruturas como tubulações e linhas de metrô, em muito se conectam com a ideia da “antroturbação”.

Além disso, mesmo áreas teoricamente “naturais”, com pouca ou nenhuma mobilização de materiais, nas quais os terrenos tecnogênicos são classificados como “modificados”, podem ter sofrido processos de contaminações e modificações de suas características geoquímicas, como no caso da precipitação de radiogênicos relativos aos testes nucleares.

Há, portanto, diversas possibilidades de conexão dos estudos acerca dos terrenos tecnogênicos com a proposta do Antropoceno como nova época geológica, bem como essas possibilidades podem ser ampliadas conforme os estudos avancem nessa área, a partir do reconhecimento de novos tipos e níveis de interação da sociedade com os demais componentes e processos das paisagens.


Referências bibliográficas

CRUTZEN, P. J. Geology of mankind: the Anthropocene. Nature 415, 23, 2002.

CRUTZEN, P. J. & STOERMER, E. F. The Anthropocene. Global Change Newsl. 41, p. 17–18, 2000.

PELOGGIA, Alex Ubiratan Goossens. O que produzimos sob nossos pés? Uma revisão comparativa dos conceitos fundamentais referentes a solos e terrenos antropogênicos. Revista Geociências-UNG-Ser, v. 16, n. 1, p. 102-127, 2017.

PELOGGIA, A. U. G.; OLIVEIRA, A. M. S. Tecnógeno: um novo campo de estudos das geociências. I Encontro de Tecnólogos. ABEQUA, 2005

PELOGGIA, A. U. G.; OLIVEIRA, A. M. S.; OLIVEIRA, A. A.; SILVA, E. C. N., NUNES, J. O. R.  Technogenic geodiversity: a proposal on the classification of artificial ground. Revista Quaternary and Environmental Geosciences, Curitiba, v.5, n.1, p. 28-40, 2014.

SILVA, E.C.N. Reconstituição Geomorfológica do Relevo Tecnogênico em Presidente Prudente-SP. 2017, 246f. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista.

WATERS, C. N.; ZALASIEWICZ, J.; SUMMERHAYES, C.; FAIRCHILD, I. J.; ROSE, N. L.; LOADER, N. J.; SHOTYK, W.; CEARRETA, A.; HEAD, M. J.; SYVITSKI, J. P. M.; WILLIAMS, M.; WAGREICH, M.; BARNOSKY, A. D.; ZHISHENG, A.; LEINFELDER, R.; JEANDEL, C.; GAŁUSZKA, A.; IVAR DO SUL, J. A.; GRADSTEIN, F.; STEFFEN, W.; MCNEILLS, J. R.; WING, S.; POIRIER, C.; EDGEWORTH, M. Global Boundary Stratotype Section and Point (GSSP) for the Anthropocene Series: Where and how to look for potential candidates. Earth-Science Reviews, v.178, p. 379–429, 2018.

WATERS, C. N.; ZALASIEWICZ, J. A.; WILLIAMS, M.; ELLIS, M. A.; SNELLING, A. M. A stratigraphical basis for the Anthropocene? In: WATERS, C. N.; ZALASIEWICZ, J. A.; WILLIAMS, M.; ELLIS, M. A.; SNELLING, A. M. A Stratigraphical Basis for the Anthropocene. London: Geological Society; Special Publications, 2014.


Texto: Érika Cristina Nesta Silva

Edição: Diego Fernandes Terra Machado


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Dia da conservação do Solo e da Água

por: Baldoino Neto –

Uma data para lembrar a necessidade de se proteger um dos nossos recursos naturais mais importantes.


Em 15 de abril é comemorado o Dia da Conservação do Solo. A data foi escolhida em homenagem ao nascimento de Hugh Hammond Bennett (15 de abril de 1881 – 7 de julho de 1960), considerado o pai da conservação dos solos nos Estados Unidos e o criador do Serviço de Conservação de Solos americano.

Hugh Hammond Bennett liderou o movimento de conservação do solo nos Estados Unidos nas décadas de 1920 e 1930, instigou a nação a enfrentar a “ameaça nacional” da erosão do solo e criou uma nova agência federal, atuando como seu primeiro chefe – o Serviço de Conservação do Solo, agora Departamento de Agricultura do Serviço de Conservação de Recursos Naturais dos EUA. Ele é considerado hoje o pai da conservação do solo. Durante sua experiência em campo, ao comparar áreas virgens e arborizadas com campos erodidos, ele se convenceu de que a erosão do solo era um problema, não apenas para o agricultor, mas também para as economias rurais. (NCRS – USDA: Hugh Hammond Bennett Biography)

A data é celebrada no Brasil, desde 1989, com o objetivo de fomentar e demonstrar a importância de termos diversos cuidados para mantermos saudável esse recurso natural que é de fundamental importância para a produção de alimentos, manutenção das florestas, conservação da água, entre tantas outras interações com o ecossistema.

As atividades humanas têm impactado crescentemente a conservação dos solos. Retirada de florestas e a utilização da terra para agricultura e pastagem são apenas algumas das ações que modificam a sua estrutura e todo o equilíbrio ambiental, e afetam não só animais e florestas como os próprios homens.

O exemplo mais visível disso ultimamente tem sido a questão urgente da água. A escassez do recurso, seja aqui no Brasil e ou em outras partes do mundo, invariavelmente tem uma coisa em comum: o mau uso do solo, provocando seu desgaste e erosão, retirando dele a capacidade de renovação.

Ao ficar exposto aos efeitos climáticos, sem cobertura vegetal e sem o manejo adequado, o solo não cumpre efetivamente com a sua função básica de “produzir” água: garantir a infiltração da água e recarregar o lençol freático, que alimenta as nascentes e os rios, que, por sua vez abastecem reservatórios.

Segundo relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), cerca de 1/3 dos solos do mundo estão degradados por erosão, salinização, compactação, acidificação e contaminação, bem como por influência das mudanças climáticas.

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O solos estão sendo degradados em diversos locais no planeta. Atualmente, a Europa apresenta a maior proporção com relação aos demais continentes, isso por conta de sua longa história de uso intensivo dos solos pela agricultura. Todavia, a degradação está avançando rapidamente nos países em desenvolvimento na África e Ásia. Fontes: Dados do United Nations Environment Programme (UNEP), 2002. Global Environmental Outlook 3. London.

Entre as principais consequências, estão o agravamento das enchentes, a perda de fertilidade e, consequentemente, a redução na produtividade agrícola.

De acordo com a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura:

Cerca de 33% do solo mundial está degradado.

A degradação do solo afeta pelo menos 3,2 bilhões de pessoas, o que equivale a 40% da população mundial.

A cada 5 segundos, o mundo perde uma quantidade de solo equivalente a um campo de futebol.

A ONU alerta para a redução de até 8% ao ano no PIB de países em desenvolvimento quando ocorre o manejo inadequado do solo.

Cerca de 95% dos alimentos produzidos vêm da terra. A produção de alimentos terá de aumentar em aproximadamente 60% para alimentar a população mundial no ano de 2050, ou seja, aproximadamente 30% maior que a atual.

A Erosão dos solos é o principal tipo de degradação dos solos em escala mundial. – Voçoroca no município de São Roque de Minas – MG (Diego F.T. Machado, 2021)

Quando utilizados de forma sustentável, os solos podem desempenhar um papel importante na diminuição das alterações climáticas, por meio da captura de carbono e outros gases do efeito estufa.

A ONU alerta para a redução de até 8% ao ano no PIB de países em desenvolvimento quando ocorre o manejo inadequado do solo.

O planeta perde 24 bilhões de toneladas de solo fértil por ano, levando à desertificação de grandes áreas, desequilíbrio ambiental e ao prejuízo para a saúde humana.


Fontes:

https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/11582581/dia-nacional-da-conservacao-do-solo-sua-historia-e-um-alerta-da-fao

https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/11618575/no-dia-nacional-da-conservacao-do-solo-a-embrapa-confirma-compromisso-com-pesquisas-na-area

https://wedocs.unep.org/handle/20.500.11822/8609

https://www.nrcs.usda.gov/wps/portal/nrcs/detail/national/about/history/?cid=nrcs143_021410


Texto: Baldoino Neto

Edição: Diego F. T. Machado

Novo observatório para trazer o “solo das profundezas”

por: Francisco Ladeira.

Ecotron moverá núcleos de 3 metros de solo para o laboratório para experimentos de mudanças climáticas globais


No dia 12 de outubro, a revista Science publicou uma interessante reportagem sobre solos . Trata-se de um projeto em início de desenvolvimento na Universidade de Idaho, denominado Deep Soil Ecotron. A ideia central é trazer, para o laboratório, colunas completas de solo de até 3 metros e aí, sob condições controladas, acompanhar seu desenvolvimento, tanto em suas características bióticas quanto abióticas.

Um Ecotron é um tipo de experimento criado para estudar o impacto do clima nos ecossistemas e nos processos de biodiversidade. Geralmente é composto por várias unidades experimentais idênticas, que permitem a contenção do ecossistema, o controle das condições ambientais e a medição online dos processos ecofisiológicos.

Imagem: Laboratório com esferas ecossistêmicas para pesquisa climática no Parque Nacional Hoge Kempen. Reprodução Universidade de Hasselt

Ecotron CNRS

Os motivos para realizar este acompanhamento são diversos. Parcela significativa dos estudos sobre solos se concentra especialmente em seus primeiros 30 centímetros, pois aí está o principal nível com interesse para o desenvolvimento das diferentes atividades agrícolas. Abaixo disso, o solo é, comparativamente, muito menos conhecido.

O solo, além da sua porção superficial, é crítico para alterações climáticas, para a qualidade da água, manutenção dos ecossistemas e até para a produção mineral. Mas o perfil de solo, como um todo, é incrivelmente difícil de estudar. Escavar uma trincheira sem perturbar sua estrutura e habitantes é praticamente impossível. Quanto mais fundo se vai, mais difícil é. 

Para tentar solucionar estes problemas. A U.S. National Science Foundation irá financiar o Ecotron com um valor total de US$ 19 milhões. O novo laboratório permitirá aos pesquisadores manipular uma série de fatores em colunas hermeticamente fechadas e controladas, incluindo temperatura, umidade e concentrações de dióxido de carbono (que influenciam o desgaste das rochas e a formação do solo). Eles serão capazes de simular a ressurgência das águas subterrâneas e talvez até mesmo os ciclos de congelamento e descongelamento que podem acelerar o desenvolvimento do solo. Também poderão acompanhar os organismos vivos presentes na coluna.

Renderização artística da instalação de Deep Soil Ecotron financiada pela NSF. Até 24 ecounits serão alojados na Universidade de Idaho, equipados com analisadores de última geração para quantificar o fluxo de gases do efeito estufa, a química da água do solo, o crescimento das raízes e a micro e mesofauna do solo. Imagem: Reprodução deepsoilecotron.org

Para Emma Aronson da Universidade da Califórnia, Riverside, um dos pontos chaves é a possibilidade de estudar como o carbono no solo pode responder às mudanças climáticas futuras, simulando condições de mudança com um grau de controle que nunca visto antes. Os proponentes do projeto acreditam que os solos profundos aqueçam com o aquecimento da Terra, e experimentos de campo sugerem que isso pode fazer com que o solo libere carbono na atmosfera 30% a 50% mais rápido do que hoje, afetando diretamente o ciclo de carbono.

O laboratório estará pronto em 5 anos e terá capacidade para 24 colunas de solo, incluindo a vegetação de cobertura. Uma empresa já está testando alternativas para a coleta em campo das colunas de até 3 metros, desafio significativo pois esta terá que ser a menos perturbada possível. Mesmo assim haverá perturbações, pois, raízes serão cortadas e porções inferiores do solo serão expostas na superfície. E claro, uma coluna em um laboratório não “funcionará” exatamente como um solo posicionado na paisagem. De qualquer forma os avanços científicos para o conhecimento do funcionamento do solo serão significativos.


Sobre o autor

Francisco Sergio Bernardes Ladeira

Graduou-se bacharel em Geografia pela Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho (1989), mestre em Geografia (Geografia Física) pela Universidade de São Paulo (1995) e doutor em Geografia (Geografia Física) pela Universidade de São Paulo (2001). Atualmente é MS-3.2 da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Paleopedologia, Superfícies Geomorfológicas e Relação Solo-Relevo.


Texto: Francisco S. B. Ladeira

Edição: Diego F. T. Machado

Lateritas – múltiplas definições, múltiplos usos

por: Francisco Ladeira

Resultado da ação intensa do intemperismo, as lateritas são importantes indicadores de condições ambientais, com valor cultural agregado e um conceito mutante ao longo da história.


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O termo laterita foi proposto por Buchanan em 1807, para identificar materiais, que na Índia, eram extraídos dos finais de vertentes, da parte inferior dos perfis de solos, que quando expostos ao sol tornavam-se extremamente duros e eram utilizados como material de construção (tijolos, vigas estruturais, base de rodovias e de estradas de ferro).

O uso do termo laterita foi se alterando ao longo do tempo, e chega mesmo a ser indicado que não seja usado, dado a diversidade de possibilidades de interpretações. Não é nosso objetivo aqui discutir esse e outros termos que surgiram ao longo do tempo, apesar de indicarmos abaixo diversos artigos que tiveram esse objetivo.

Usamos aqui também o termo ferricrete, em sua definição inicial, ou seja, qualquer material enriquecido em ferro em relação ao seu material de origem. Esse termo também já teve nova definição, para indicar concentrações ferruginosas decorrentes de acumulações absolutas de ferro. Isso exemplifica a complexidade do uso dos termos associados a estes materiais.

Francis Buchanan-Hamilton #
Possível aparência do Dr. Francis Buchanan, mais tarde Hamilton ou Hamilton-Buchanan. Cirurgião, agrimensor e botânico da Companhia das índias, publicou trabalhos sobre a geografia, a flora e a fauna da Índia, onde viveu e explorou desde o final do século 18 até 1815. Saiba mais! Foto: Reprodução Memim Encyclopedi

Resultado da ação intensa do intemperísmo!

De maneira geral Schellmann (1981) indica que estes materiais correspondem a “produtos de intensa alteração subaérea da rocha, cujo teor de ferro e/ou alumínio é maior e o de sílica é menor que a rocha parental. Estes consistem predominantemente de assembleias minerais de goethita, hematita, hidróxidos de alumínio, caulinita e quartzo”.

Estas características, apontadas por Schellmann, indicam que a ocorrência de lateritas estão associadas a climas quentes e úmidos, que ocorrem nas zonas intertropicais da Terra.

A zona de rubefação coincide com a área intertropical de formação de laterita (Tardy, 1993).

A intensidade dos processos de intemperismo químico nas zonas intertropicais é indicado por Stallard e Edmond (1983), Meybeck (1987) e Buss et al. (2017) que destacam que os trópicos recobrem cerca de 25% das terras emersas do planeta, entretanto, são responsáveis por cerca de 65% do fluxo de sílica dissolvida para os oceanos via processos de intemperismo químico.

Importantes indicadores da evolução da paisagem

Estes materiais só evoluem nestas condições, entretanto, atualmente ocorrem em diferentes regiões da Terra, como deserto do Saara ou porções da Sibéria. Desta forma, as lateritas são ótimos indicadores da deriva das placas tectônicas, pois estas lateritas se formaram em áreas tropicais e posteriormente a deriva das placas tectônicas teria posicionado estes materiais nestas regiões.

Essa possibilidade decorre do fato das lateritas serem, quando desidratadas, extremamente resistentes aos processos erosivos. Nas áreas tropicais, como no Brasil, vastas regiões possuem, nas áreas mais elevadas, espessos perfis de alteração com lateritas em seu topo.

No Brasil, diversas áreas elevadas topograficamente e com relevo plano a suave ondulado, apresentam como característica a ocorrência de lateritas nas bordas destas chapadas, que as ‘protegem’ dos processos erosivos, como no caso do Chapadão do Zagaia (MG). Foto: Acervo próprio

Apesar de serem encontradas nos topos de vertentes e escarpas, a laterita se forma nas áreas onde o lençol freático oscila durante muito tempo, ou seja, normalmente nas posições mais baixas do relevo.

As características de formação permitem utilizar as lateritas como importante indicador de condições paleotopográficas, paleoclimáticas, paleogeográficas e mais detalhadamente condições pedogenéticas.

A importância do fator tempo!

Quando as condições de formação se desenvolvem por longos períodos, em áreas tropicais úmidas, os perfis de alteração que recobrem as rochas frescas podem ser extremamente espessos, por vezes ultrapassando centenas de metros (Tricart, 1972; Scott e Pain, 2009) e são denominados de Perfis de Alteração Lateríticos ou apenas Perfis Lateríticos (BUT et al. 2009). Estes perfis de alteração normalmente estão associados a paleo-superfícies (BATTIAU- QUENEY, 1994).

Representação esquemática de um perfil laterítico coberto por um ferricrete (adaptado de Tardy, 1993)
Em cima – base do perfil laterítico afetando os depósitos da
Formação Marília; Em baixo – nível de mosqueamento posicionado acima dos sedimentos da Formação Marília. Fotos: Acervo próprio.

LATERITAS: Múltiplos usos…

As lateritas e perfis lateríticos e ferricretes foram utilizados como marcadores para correlações estratigráficas, para interpretações ambientais e paleoambientais, para análise da evolução geomorfológica, datações relativas de superfícies, indicadores de deriva continental, como marco para análises tectônicas, na produção de ouro, de ferro, de terras raras, do caulim, do níquel e como material de construção.

Pedreira de tijolos de Karaba (2009) - Autor: David Pace

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Esta é a pedreira de Karaba (Burkina Faso), onde os homens esculpem tijolos usando apenas picaretas de ferro de cabo curto. No quente sol equatorial, eles escavam o material que se tornará os blocos básicos de construção das casas e das paredes que estruturam as comunidades vizinhas.

LATERITAS: Múltiplas definições…

Diante do exposto, a laterita possui interesse para diferentes áreas de pesquisa de também econômicas, implicando que profissionais de diferentes áreas trabalharam com estes materiais. O resultado disso é que há uma grande diversidade de termos para nomear esta laterita, inclusive alguns termos possuem definições distintas em diferentes áreas do conhecimento e o mesmo termo foi alterando seu significado ao longo do tempo.

A título de exemplo há diversos trabalhos que discutem a questão relativa às diferenças terminológicas (THORP e BALDWIN, 1940; PENDLETON, 1941; PRESCOTT, 1954; SIVARAJASINGHAM et al., 1962; GERASIMOV e GLAZOVSKAYA, 1965; HAMMING, 1970; STEPHENS, 1971; PATON e WILLIAMS, 1972; HELGREN e BUTZER, 1977; SCHELLMANN, 1981, 1983; ALEVA, 1982, 1994; MILNES et al., 1985; OLLIER, 1988; TARDY E ROQUIN, 1992; TARDY, 1993; BOURMAN, 1993a, b; FIRMAN, 1994; YALLON, 1996; BOURMAN e OLLIER, 2002; AUGUSTIN, 2013; GHOSH e GUCHHAIT, 2020).

Na figura abaixo, é possível observar algumas das diferentes terminologias utilizadas. Assim a laterita de Buchanan passa a ter diferentes denominações, como ferricretes, duricrusts, couraças, cangas, entre outros. Por vezes estes termos aparecem na literatura como sinônimos, outras não, gerando grande confusão.

Comparação entre terminologias de um perfil laterítico com ferricrete Modificada de Anand & Paine (2002).

Ressalta-se que os pesquisadores que trabalham especificamente com pedologia também abordam esta temática, sendo que os solos desenvolvidos, associados aos materiais lateríticos, possuem importância agrícola, como no Brasil e, em solos quaternários, que podem também possuir um significado relevante na dinâmica geomorfológica mais recente. Em pedologia os termos plintita, petroplintita e a existência de um Horizonte F são aplicados no Sistema Brasileiro de Classificação de Solos.

Classificação dos ferricretes

No que se refere a classificação destes materiais, Bourman et al. (1987), Milnes et al. (1987) e Bourman (1993) propõem três tipos básicos de ferricrete (posteriormente o termo ferricrete foi definido com uma conotação genética, mas esta não existia para estes autores) com algumas subdivisões:

Rocha ferruginizada: rochas que apresentam impregnações ferruginosas, mas mantém suas estruturas perfeitamente identificáveis em campo. A forma mais comum é constituídas de mosqueados ferruginosos.

Sedimentos ferruginosos: ferricretes caracterizados por ampla variação de tipos de fábrica, que refletem a natureza do sedimento original. Por exemplo, no caso de sedimentos clásticos, o ferricrete apresenta abundantes grãos de areia ou clastos de quartzo e fragmentos de rocha. Quando cimentam clastos têm-se o ferricrete conglomerático. Se não existir qualquer estrutura interna será um ferricrete maciço.

Ferricretes complexos: possuem ampla diversidade de fábricas, identificando-se os seguintes tipos:


a) pisolítica: possuem grande quantidade de glébulas ferruginosas, dispersos no interior de uma matriz rica em óxidos de ferro;

b) “slaby” (laminar): formados dominantemente por placas ou lentes horizontais separadas por zonas ricas em argila;


c) vermiformes: formados por uma distribuição irregular de canais enriquecidos em ferro.


Coleção: Tipos de Ferricretes


O que influência na formação dos ferricretes?

No caso especifico dos ferricretes associados a perfis lateríticos, Thomas (1994) propõe oito fatores de formação determinantes.

1) fatores geológicos: qualquer tipo litológico pode originar os perfis lateríticos ferricretes. A composição mineralógica das rochas parentais pode influenciar fortemente na composição e nas características do perfil laterítico e ferricrete, mas os processos de intemperismo podem modificar significativamente estas características mineralógicas.

Alguns autores como Tardy et al. (1988) eTardy (1993) indicam uma influência gradativamente menor das características da rocha conforme maior o grau de evolução do perfil laterítico. Tardy et al. (1988) indicam uma tendência à homogeneização do perfil, em termos químicos e mineralógicos, independente do material de origem. A velocidade de formação dos perfis lateríticos pode variar conforme o tipo de rocha parental. Para o referido autor, as alterações sobre rochas máficas e ultramáficas podem chegar a uma velocidade três vezes maior do que sobre as de tipo félsicas.

2) fatores climáticos: fundamental para controlar a formação destes perfis. Tardy (1993) indica as seguintes características climáticas para sua formação: uma pluviosidade média anual de 1.450 mm; temperatura média anual de 28 oC; umidade relativa do ar média de 70% e uma estação seca com duração de 6 meses.

O tipo climático ideal de formação do ferricrete é aquele que corresponde às regiões de savana. Em direção à climas mais secos, ela não se forma com a disponibilidade de sílica no sistema, predominando solos com montmorillonita (LEPRUN, 1979) e também em climas muito úmidos sem estação seca, onde predominam a goethita e gibsita (BEAUVAIS e TARDY, 1993), entretanto, nestas condições ambientais mais úmidas é possível a destruição do ferricrete em certos pontos da paisagem e formação simultânea em outros.

3) Fatores bióticos: a ação da vegetação dependerá essencialmente do tipo de cobertura vegetal localizada sobre o ferricrete, através de sua ação na formação de ácidos e a ação mecânica de suas raízes. Esta ação pode definir morfologias de ferricretes. Segundo Tardy (1993), as termitas também podem possuir papel fundamental no processo de alteração do perfil laterítico e do ferricrete.

4) Fatores hidrológicos: os fatores hidrológicos são determinados pelo regime climático e pela interação com a litologia e o relevo. Esta combinação cria uma diversidade de ambientes locais com condições contrastantes para a mobilização ou precipitação do ferro e, especialmente, é fundamental a oscilação do lençol freático ao longo do ano.

5) Condições de Eh (potencial redox) e pH (potencial hidrogeniônico): o Eh torna o ferro mais móvel conforme seus valores aumentam e o pH diminui. Costa (1984) acrescenta que o pH nestes ambientes depende da atividade biológica superficial, das alterações mineralógicas desencadeadas e, como consequência, da composição química das águas percolantes.

Pequenas variações de pH e Eh na paisagem são responsáveis pela mobilidade ou precipitação do ferro, sendo essenciais para explicar, mesmo à curta distância, áreas com elevadas perdas e outras com elevadas concentrações de ferro. A figura abaixo apresenta as condições de Eh e pH para a formação das concentrações ferruginosas.

Limites dos domínios de Fe2+, Fe3+, Mn2+ e Mn4+. Fonte: Campy e Macaire (1989).

6) História geomorfológica e tectônica: a formação, evolução e destruição de ferricretes estão intimamente associadas à história da paisagem geomorfológica. As superfícies de aplainamento produziram ambientes extremamente favoráveis para seu desenvolvimento.

Deve-se destacar também que na literatura torna-se cada vez mais comum a associação da evolução de paisagens lateríticas com os processos de etchplanação (ZEESE, 1996). Também é comum indicar o ferricrete como responsável pela inversão do relevo, resultado de sua resistência aos processos intempéricos, conforme na figura ao lado.

7) fator tempo: o tempo necessário para o desenvolvimento de um espesso perfil de alteração passa, necessariamente dos 100.000 anos de duração (TARGULIAN E BRONNIKOVA, 2019). Nahon e Lappartient (1977) calcularam que um ferricrete de 0,5 a 1,0 metro de espessura requer 0,3 a 0,75 Ma. para sua individualização.

Sequência evolutiva apresentando inversão topográfica associada com a formação de duricrosta. Fonte: Summerfield (1991) e Pain et al. (2007)

Estes autores indicam que para a evolução de um perfil laterítico, sobre rochas vulcânicas, com a evolução de um manto de alteração caulinítico, individualização de um horizonte de acumulação de ferro e a evolução fisico-química da crosta ferruginosa, são necessários 6 Ma.

Na Amazônia brasileira, Oliveira e Schwab (1980) estimam um tempo mínimo de 2,8 Ma. para evolução de um perfil laterítico bem estruturado. Na literatura é possível fazer uma distinção entre os ferricretes associados a perfis lateríticos e outros que não apresentam a organização clássica nos diferentes níveis.

Figueiredo Filho et al. (2019) identificam, na região do Quadrilátero Ferrífero, espessos ferricretes associados a terraços fluviais de idade compreendida entre 140 e 83 ka. Destaca-se que nesta área há uma grande disponibilidade de ferro no sistema, por conta da presença comum de itabiritos. Desta forma, o ferricrete, per si, não é indicativo de uma evolução extremamente longa, mas ele associado a um espesso perfil laterítico sim.

8) Mudanças paleoambientais: ferricretes e perfis lateríticos ocorrem em diferentes latitudes e por conta disso podem ser utilizados como indicadores de paleolatitudes e de paleoambientes (ANNOVI et al. 1980; BARDOSSY, 1981; TARDY e ROQUIN, 1998; SCHMIDT et al., 1983; ZEESE, 1996; KUMAR, 1986; TARDY, 1993).

A literatura não apresenta uma origem única para o ferro que irá formar o ferricrete. Nitidamente, há um grupo de autores que indica um intemperismo essencialmente vertical e outro que indica a importância dos aportes laterais. Thomas (1994), após ampla revisão de literatura, identifica três possibilidades:

1) translocação vertical, através da qual o Fe2+ movimenta-se por algumas dezenas de metros, no sentido descendente, por movimento gravitacional da água subterrânea, ou ascendente por difusão iônica;

2) por transferência lateral de Fe2+ através da convergência de fluxo de água subterrânea para sítios de recepção, como vales e depressões;

3) retenção e acumulação nos horizontes superficiais (em forma de pisólitos ou nódulos) quando o perfil é rebaixado por intemperismo.

Beaudet e Coque (1994) indicam que na mesma paisagem pode-se observar diferentes gêneses de ferricrete, como a formação associada a formas residuais, também em glacis, onde há aporte lateral de ferro em solução, e eventualmente de forma mecânica na forma de clastos (figura abaixo).

É possível que um ferricrete esteja sendo alterado no topo e haja precipitação de ferro em sua base, conforme não só já observaram Tardy (1993), Moreau (1993) e Espíndola e Daniel (2008), mas também observaram os novos estudos de cronologia, que indicam a grande mobilidade de ferro no interior do ferricrete, observando-se várias gerações de solubilização e precipitação (SPIER et al., 2006).

Socle cristallin: embasamento cristalino; Altérite argileuse: alterita argilosa; Sable Limon
Argile
: Areia, silte, argila; (B): Ferricrete; (Gl): glacis de erosão com ferricrete (PI): plano silto-argiloso

Referências

David Pace Photography

Tenho fotografado no pequeno Burkina Faso, país da África Ocidental desde 2007. Nas minhas viagens anuais, moro na aldeia de Bereba, onde tenho documentado muitos aspectos da vida diária, incluindo a dança semanal (sexta à noite), o deslocamento noturno ( Sur La Route), moda local (Market Day), arquitetura tradicional (L’Ancien Village) e ocupações comuns (At Work). Outros projetos incluem a exploração da fabricação de tijolos (Karaba Brick Quarry), a mineração artesanal de ouro (Les Sites d’Or) e os quiosques de Ouagadougou, capital do Burkina Faso (Quiosques).


Sobre o autor

Francisco Sergio Bernardes Ladeira

Graduou-se bacharel em Geografia pela Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho (1989), mestre em Geografia (Geografia Física) pela Universidade de São Paulo (1995) e doutor em Geografia (Geografia Física) pela Universidade de São Paulo (2001). Atualmente é MS-3.2 da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Paleopedologia, Superfícies Geomorfológicas e Relação Solo-Relevo.


Texto: Francisco S. B. Ladeira

Edição: Diego F. T. Machado


Publicações Acadêmicas do LABPED

Cartas de Susceptibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inundações.

por: Douglas Cabral –

As cartas são fundamentais para o planejamento adequado de uso e ocupação das terras, afim de reduzir perdas materiais e de vidas humanas.


As Cartas de Suscetibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inundações são documentos cartográficos que representam a possibilidade de ocorrência de movimentos gravitacionais de massa (deslizamentos e corridas de detritos) e processos hidrológicos (inundações e enxurradas).

O levantamento consiste numa modelagem matemática feita em escritório, a qual posteriormente é validada em trabalho de campo por uma equipe de pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil-CPRM, que percorre toda a extensão do município.

A elaboração das Cartas de Suscetibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inundações está prevista no Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais. Com início em agosto de 2012, os municípios do território brasileiro iniciaram a cartografia dos temas-fim do projeto.

As áreas são classificadas em alta, média e baixa suscetibilidade a movimentos de massa e inundações.

Adicionalmente, são apresentadas as feições geológicas (cicatrizes de deslizamentos, feições erosivas, paredões rochosos e blocos de rocha), além de mapas de padrões de relevo, também desenvolvidos pela equipe envolvida e mapas de solo e geológico-estrutural, na maior escala disponível.

A CPRM disponibiliza através de duas Notas Técnicas – informações sobre os procedimentos adotados para a elaboração de modelagens de inundação, e das cartas de suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa com o objetivo de orientar quanto aos procedimentos adotados na confecção das cartas.

Fluxograma das quatro etapas de execução da análise, classificação e zoneamento da suscetibilidade a inundações – Fonte: CPRM – Nota Técnica para elaboração de modelagens de inundação

Os dados referentes as cartas estão disponíveis para downlad no site do Serviço Geológico do Brasil

Municípios Mapeados: 526
Pessoas Contempladas pelo Projeto: 88.878.387
Cartas Publicadas em 2021: 18
Atualizado em: 25/05/2021

SAIBA MAIS

TV CPRM – Vídeo Institucional – Cartas de Suscetibilidade

Autoria: Douglas Cabral

Edição: Diego F. T. Machado

Foto da capa: Douglas Cabral – Santana/AP (inferior) e São Domingos do Norte/ES (superior)

A ação do clima na erosão dos solos no litoral brasileiro

por: Pedro M. Cheliz –

A ação das tempestades marinhas esta ligada com a erosão de solos no litoral, e existem possibilidades do problema se agravar com o tempo


A ação do clima pode trazer impactos para a erosão dos solos presentes no litoral. Tais mudanças não estão necessariamente associadas apenas a uma possível elevação do nível dos mar ao longo das próximas décadas, mas incluem também a incidência de eventos climáticos dos dias atuais.

Um exemplo é o possível aumento ao longo do tempo da quantidade e da intensidade das tempestades que atingem as áreas costeiras. Essas tempestades, muitas delas ligadas as frentes frias que se formam decorrentes da passagens de ciclones pelo Oceano Atlântico, contribuem para deixar as águas do mar mais agitadas, e a fazer com que elas atinjam as terras emersas com mais energia. Com isso, as águas removem parte dos solos sobre os quais as vegetações do litoral se instalam.

O aumento da força destas tempestades pode levar, assim, a uma maior ameaça para a conservação de solos e de alguns dos ecossistemas costeiros, como, por exemplo, as restingas.

A restinga é uma planície arenosa costeira, de origem marinha, incluindo a praia, cordões arenosos, depressões entre-cordões, dunas e margem de lagunas, com vegetação adaptada às condições ambientais” – Foto: Diego F.T. Machado

De fato, em muitas áreas do litoral brasileiro vem se registrando tais problemas de perda de solos e vegetação devido a erosão costeira. Uma deles é a Ilha do Cardoso, no litoral sul de São Paulo, no município de Cananéia. Tais processos locais vem sido acompanhado ao longo do tempo por pesquisadores de diversas instituições – tais como IPEC, Instituto Geológico, UFPR, UNICAMP e USP.

Restos de solos e restos de raízes alterados pelo contato com água do mar em outra área que teve seus solos erodidos pelo mar. Fonte: Cheliz (2015)
Árvore com raiz exposta e restos de raízes em área da Ilha que teve seus solos erodidos. Fonte: Cheliz (2015)

A influência das tempestades na ação das águas sobre a terra emersa nos últimos anos contribuiu para que uma parte dos solos e das matas de restingas locais fossem destruídas pela ação do mar. As imagens acima destacam áreas afetadas pela erosão (outrora vegetadas) que foram convertidas em faixas de areia.

Em alguns trechos do norte da Ilha, a linha de costa chegou a apresentar um recuo horizontal maior do que 200 metros em menos de 5 anos, como documentado em recentes estudos de pesquisadores da UNICAMP. (consulte na seção saiba mais)

A ação das águas do mar sobre as terras emersas ao longo do tempo chegaram mesmo a romper a Ilha do Cardoso em duas ilhas menores em 2018, por ocasião de uma forte tempestade marinha ligada a passagem de uma frente fria. Desde então, pesquisadores registraram como centenas de metros quadrados de solos recobertos por diferentes vegetação foram destruídos pela ação das águas do mar.

Imagem de drone obtida logo após o rompimento da continuidade da Ilha do Cardoso pela erosão costeira, e traçados ilustrando as transformações de sua linha de costa desde então, se aproximando de comunidades de pescadores que ali vivem. Fonte: Cheliz et al. (2018). Imagem de drones obtida por Edison Nascimento

Alguns estudos defendem que as tempestades no litoral brasileiro nos próximos anos podem se tornar mais fortes e frequentes, com a ação das chuvas e dos ventos se tornando mais intensas. Uma parte destas mudanças teria influência do impacto da ação humana no ambiente. Desta maneira, é importante que se busque monitorar continuamente a erosão dos solos no litoral, buscando levantar conhecimentos que ajudem a compreender os processos que a controlam para tentar diminuir seus impactos e danos.

Criado em 2021 pelo Instituto de Pesquisas de Cananéia (IPEC). Texto: Pedro Michelutti Cheliz e Shany Nagaoka. Edição e narração: Carime Carrera Pinhatti e Marina Kneipp Ramos. As informações utilizadas no vídeo foram compiladas por Pedro Michelutti e retiradas dos estudos dos seguintes pesquisadores: Carolina Barnez Gramcianinov (USP), Celia Regina Gouveia de Sousa (Instituto Geológico) e Pedro Michelutti Cheliz (UNICAMP). Imagens usadas no vídeo foram compiladas por Pedro Michelutti e Shany Nagaoka, a partir de fotografias e gravações feitas por: Carolina Barnez Gramcianinov, Celia Regina Gouveia de Souza, Edison Nascimento, João Zicuti, Henelice Trudes, Mario Nunes, Noeli Neves, Pedro Michelutti Cheliz, Portal Tempo.com, Rafael Poccia Costa e Shany Nagaoka

Para saber mais

Angulo R.J., Souza M.C., Müller M.E. Previsão e consequências da abertura de uma nova barra no Mar do Ararapira, Paraná-São Paulo, Brasil. Quaternary and Environmental Geosciences, 1(2): 2009, p 67-75.

Müller M.E.J. 2010. Estabilidade morfo-sedimentar do Mar do Ararapira e consequências da abertura de uma nova barra. Pós-Graduação em Geologia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Dissertação de Mestrado, 2010, 75p.

Cheliz, P.M. Ilha do Cardoso – contribuições para a compartimentação do relevo. Dissertação de mestrado. 2015.

Souza, C.R; Nunes, M. 2015. Monitoramento de Processos Sedimentares na Enseada da Baleia (Ilha do Cardoso, Cananéia/SP) entre 2007-2015. Anais do XV Congresso da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário. São Paulo, 2015.

Gramcianinov, C. Mudanças nos Ciclones do Atlântico Sul devido às Mudanças Climáticas. Tese de doutorado. USP. 2018.

Cheliz, P.M.; Sousa, C.R.G; Nascimento, E; Nunes, M; Oliveira, R.C. Apontamentos sobre oscilações geomorfológicas e impactos ambientais na ruptura da Ilha do Cardoso, e formação de nova barra do Canal de Ararapira (Cananéia-SP). In: Geografia Física e Mudanças Globais. 2019.

Souza, C.R.G; Cheliz, P.M; Nascimento, E; Pisciota, K; Nunes, M; Pocca, R. O PROCESSO EROSIVO NA ENSEADA DA BALEIA, PARQUE ESTADUAL DA ILHA DO CARDOSO (CANANÉIA/SP): EXEMPLO DE ADAPTAÇÃO A RISCOS COSTEIROS. In: Planejando o Futuro Hoje: ODS 13, Adaptação e Mudanças Climáticas em São Paulo. IEE-USP. 2019.


Texto: Pedro Michelutti Cheliz

Edição: Diego F. T. Machado

Foto da capa: Edison Nascimento/Fundação Florestal – Em 2018, após forte ressaca, a Ilha do Cardoso foi dividida em duas, ligadas apenas por uma estreita faixa de areia.

As “Pedras Equilibristas”

por: César H. B. de Farias –

Impossível se manter indiferente a estes monumentos naturais, as Pedras Equilibristas se destacam na paisagem e no imaginário popular.


As “Pedras Equilibristas” também conhecidas como “Balanced Rocks” ou “Precariously Balancing Rocks” (PBRs) em inglês ou “Piedras Equilibristas” em espanhol são feições naturais resultado da ação de processos de origem geológica e/ou geomorfológica compostas por grandes blocos rochosos que se mantém em um delicado equilíbrio sobre um ou mais pontos de apoio.

Seu equilíbrio é tamanho que muitas destas feições aparentam estar prestes a tombar/desmoronar, no entanto, nenhum ser humano foi capaz de movê-las (ainda). Tais feições apresentam milhares (ou alguns milhões) de anos de idade e podem ser encontradas em todo o mundo sob os mais diferentes tipos de rochas (granitos, basaltos,  arenitos, quartzitos) e regimes climáticos (tropical, temperado e árido), sobretudo naquelas áreas cratônicas e/ou de cinturões orogênicos antigos.

Origem e Significado das Pedras Equilibristas

A origem destas feições é amplamente discutida no meio científico e está comumente associada à evolução de espessos mantos de intemperismo, típicos de margens passivas1 sujeitas a climas tropicais úmidos e posterior exposição em função da denudação fluvial ou pluvial.

1Borda ou margem de um continente sem tectonismo pronunciado como, por exemplo, as margens continentais junto à costa brasileira, e que não coincidem com borda de placa tectônica. Glossário Geológico – CPRM

Alguns autores indicam a possibilidade de blocos transportados por geleiras, mas estes exemplos são mais raros e restritos a regiões que foram atingidas pelo último máximo glacial. Para diversos autores a origem, o desenvolvimento e sobretudo a preservação dos blocos na paisagem pode ser tradicionalmente explicada pelo seguinte modelo:

Modelo de desenvolvimento proposto para as “Pedras Equilibristas” encontradas em áreas graníticas. Estágio I) Inicialmente ocorre o intemperismo químico subsuperficial ao longo das superfícies das juntas e o desenvolvimento de material transportável mecanicamente; Estágio II) Exumação dos núcleos esferoidais assim como sua colocação em posições precárias/pouco usuais. Fonte: Twidale, 1982.

Rabassa et al. (2021) afirmam que as pedras equilibristas encontradas na América do Sul estariam diretamente relacionadas às áreas de ocorrência da antiga Paleo-superfície Gondwana, sendo um forte indicativo da presença de climas tropicais úmidos no passado do nosso continente.

Além disso, é comum na literatura trabalhos associando tais feições com a estabilidade tectônica local. A simples presença de tais estruturas pode ser interpretada como um importante indicativo para a paleosismologia, uma vez que seu delicado equilíbrio poderia ser facilmente rompido, mesmo por abalos sísmicos de baixa intensidade.

De forma geral ainda se sabe muito pouco sobre o real significado geológico/geomorfológico e até mesmo histórico/arqueológico destas feições, uma vez que várias pedras se encontram associadas a sítios arqueológicos e a pinturas rupestres.

Potencialidades e Exemplos Brasileiros

Uma das principais potencialidades das “Pedras Equilibristas” reside na sua capacidade de atrair turistas, indicando um elevado potencial para a criação de Geoparques, objetivando a exploração econômica das áreas de ocorrência e sobretudo sua preservação ambiental. Apesar de reconhecido, esse potencial ainda é muito pouco explorado no território nacional.

Dentre as iniciativas de destaque temos o Parque Pedra da Cebola, localizado no Bairro Mata da Praia em Vitória no Espírito Santo. A Pedra da Cebola recebe esse nome em função de seu aspecto “descamado” similar às palhas de uma cebola. Trata-se de um granito porfirítico (Granito Vitória) que apresenta matriz de granulação média e coloração acinzentada.

Vista Geral do Parque da Pedra da Cebola em Vitória – ES, nota-se os jardins e a Pedra da Cebola ao fundo com seu aspecto “descamado”. Fonte: Ana Paula de Oliveira

O Parque constitui uma das principais áreas abertas à visitação pública em Vitória e conta com uma ampla gama de atrações, playground, pistas para caminhada, jardim oriental, mini zoológico, áreas dedicadas às práticas esportivas e um Centro de Educação Ambiental voltado a práticas pedagógicas que buscam estimular a reflexão e o aprendizado de temas ambientais.

Outro importante exemplo no território nacional é a Pedra Chapéu do Sol que se localiza na região norte do Município de Cristalina, no Estado de Goiás, mais precisamente na porção central do Domo de Cristalina. Trata-se de um gigantesco monólito de quartzito que pesa aproximadamente 350 toneladas e possui cerca de 13,7 metros de comprimento, sendo datada em 1.2 bilhões de anos. O bloco possui um alinhamento de seu eixo principal na direção N-S e uma inclinação de aproximadamente 10o, sendo uma das principais atrações turísticas do estado. Vale destacar que no imaginário popular a pedra seria a responsável por “manter o equilíbrio” do mundo.

Pedra Chapéu do Sol. Fonte: Clodoaldo Lemes

Referências

Rabassa, J. ; Martínez, O. ; Colman, C. ; Ladeira, F.S.B. ; Sarubbi, Y. The Piedra Movediza (“Rocking Stone”) of Tandil (Province of Buenos Aires, Argentina) and The “Piedras Equilibristas” (“Balancing Rocks”) of Paraguay and Brazil. In: Pablo Bouza; Jorge Rabassa; Andrés Bilmes (Orgs). Advances in Geomorphology and Quaternary Studies in Argentina: Proceedings of the Seventh Argentine Geomorphology and Quaternary Studies Congress. Springer, v.1, 2021, pp. 219-243.

Silva, A. F. ; Gonçalves, S. L. ; Machado Filho, L. Geoparque e Educação Ambiental no Parque Pedra da Cebola. In: 49º Congresso Brasileiro de Geologia, 2018, Rio de Janeiro – RJ. Geologia: Conhecer o passado para construir o futuro.

Twidale, C. R. Granitic Landforms. Elsevier, Amsterdam, 1982. 372p.


Texto: César Henrique Bezerra de Farias

Edição: Diego F. T. Machado

Foto da capa: CHON KIT LEONG/ALAMY STOCK PHOTO


São Paulo antes dos Tupi: a ocupação humana e ambientes de 10mil anos atrás

por: Pedro M. Cheliz –

Com hábitos nômades e vivendo em pequenos grupos, estes antigos habitantes viveram em um tempo caracterizado por importantes mudanças ambientais.


Muitas vezes se diz que o Brasil e o Estado de São Paulo são uma terra antiga habitada por um povo jovem. Outros lembram que a gente que vive nesta terra não é tão nova, pois quando os colonizadores portugueses desembarcaram no Brasil, o território já era há muito ocupado por diversificados povos indígenas agricultores e ceramistas. Com menos frequência se lembra, porém, que antes dos indígenas Tupi e Jê, o atual território brasileiro foi ocupado por seus possíveis ancestrais, que praticavam um modo de vida distinto, num tempo tão distante do atual, que a própria Terra se apresentava de maneira diferente da de hoje, mais de 8 mil anos atrás.

As evidências da presença humana neste tempo distante no estado de São Paulo são pouco comuns, restritas a restos de pouco mais de dez antigos assentamentos, espalhados ao longo de diferentes pontos do atual território paulista. Nestes locais foram encontrados, em profundidades que por vezes excedem 3 metros, antigas ferramentas e outros vestígios de presença humana, próximos a fragmentos de carvão ou amostras de areia cujas análises em laboratórios apontam idades que chegam a ser, em alguns deles, superiores a 10 mil anos atrás.

Diversidade dos ambientes de ocupação

Tais antigos vestígios de presença humana mostram-se presentes em diferentes domínios da natureza – dos fundos de estreitos vales profundos das íngremes serras florestadas do atual litoral no extremo leste paulista, aos terrenos de declives suaves nas margens dos rios Paranapanema e Grande, no extremo oeste do estado. Apresentando-se também em meio às escarpas rochosas que marcam o centro do Estado, próximos a atuais centros urbanos do interior, como Brotas, Rio Claro, São Carlos e Araraquara. Muitos dos turistas que se dirigem a tais áreas, atraídos pelas frescas cachoeiras de seus grandes paredões rochosos, sequer desconfiam que estão se banhando próximos a alguns dos registros de ocupação mais antigos de São Paulo e do Brasil.

Algumas características dos antigos agrupamentos humanos

O estudo destes antigos vestígios da presença humana pelos arqueólogos sugere que eles são produtos de povos humanos que viviam em grupos pequenos, de algumas dezenas de pessoas, e que praticavam um modo de vida nômade ou seminômade, vivendo da caça e da coleta. Dentre tais vestígios, os mais numerosos são artefatos de pedra lascada, tais como belas pontas de projéteis criadas a partir do trabalho humano sobre rochas e quartzos translúcidos, possíveis armas ou ferramentas cerimoniais ou de caça.

Alguns dos artefatos de rocha lascada encontrados em sítios arqueológicos líticos antigos de São Paulo. Foto: acervo pessoal

Também foram identificados, em menor número, antigos sepultamentos, incluindo um esqueleto encontrado em meio a um bolsão de argila e com pontas de projéteis em suas mãos. “Luzio”, o nome pelo qual foi chamado, em referência à “Luziado povo de Lagoa Santa em Minas Gerais, foi encontrado no fundo de um vale das serras do Vale do Ribeira, e datado em cerca de 9 mil anos atrás.

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Crânios de Luzio (à esq.) e de Luzia, ambos com idades semelhantes, do Holoceno Inicial. Eduardo Cesar e laboratório de estudos evolutivos humanos / ib-usp – Reprodução – Pesquisa Fapesp

A capacidade de se adaptar frente as adversidades do meio

Estas antigas evidências da presença humana comumente encontram-se mesclado a argilas, areias, cascalhos, solos e grãos de polens que indicam que esse povoamento ancestral lidou com ambientes, climas, biomas e paisagens bastante diferentes dos atuais. Essas diferenças incluem um clima mais seco do que o dos nossos dias, uma menor presença de florestas e mais comum vegetação de campos abertos e arbustivas, com os rios e mesmo o mar estando então em posições significativamente diferentes das atuais.

Tais evidências do meio físico e biológico sugerem, ainda, que estas antigas populações viveram em um tempo caracterizado por importantes mudanças ambientais, o que possivelmente colocou à provas o modo de vida e a resistência destes antigos habitantes do estado de São Paulo. Tais grupos humanos, porém, parecem ter mostrado elevada capacidade de se adequar a tais mudanças do meio, já que alguns destes antigos assentamentos indicam a presença destes antigos caçadores e coletores ao longo de intervalos de tempo que excedem 3 mil anos (tais como nos sítios Caetetuba e Bastos).

Conhecer, compreender e valorizar!

Os conhecimentos que se tem hoje sobre este distante tempo de ocupação se devem às pesquisas efetuadas por diversas universidades estaduais e federais, e grupos de estudos independentes. Os acervos resgatados nas escavações em tais antigos sítios arqueológicos encontram-se espalhados em várias instituições e museus do estado, em geral pouco conhecidos do público. A lembrança da triste tragédia do Museu Nacional consumido pelas chamas destaca a urgência de darmos mais atenção ao tema e acompanhar a condição de preservação destes importantes acervos, para evitar que ocorram eventuais novas e irreparáveis perdas.


Saiba mais

O Homem de Capelinha – A descoberta mais antiga de um fóssil do Estado de São Paulo. – Parque Estadual do Rio Turvo

Bibliografia

Artigo científico

ARAUJO, Astolfo Gomes de Mello, CORREA, Leticia Cristina. FIRST NOTICE OF A PALEOINDIAN SITE IN CENTRAL SÃO PAULO STATE, BRAZIL: BASTOS SITE, DOURADO COUNTY. Palaeoindian Archaeology. Volume 1 Número 1. 2016

CHELIZ, Pedro Michelutti; de SOUSA, João Carlos Moreno; MINGATOS, Gabriela Sartori; OKUMURA, Mercedes; ARAUJO, Astolfo Gomes de Mello. A ocupação humana antiga (11-7 mil anos atrás) do Planalto Meridional Brasileiro: caracterização geomorfológica, geológica, paleoambiental e tecnológica de sítios arqueológicos relacionados a três distintas indústrias líticas. Revista Brasileira de Geografia Física v. 13 n.6. 2020

Dissertação de mestrado

SANTOS, Fabio Grossi. Sítios líticos no interior paulista: um enfoque regional. Dissertação de mestrado. USP.


Texto: Pedro Michelutti Cheliz

Edição: Diego F. T. Machado


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A ocupação humana remonta a intervalos de tempo em que a configuração do meio físico (tais como o relevo, sedimentos, rochas, rios e solos) nem sempre foi semelhante a atual. Estas diferenças se tornam tão mais intensas quanto mais antigos são tais intervalos de presença humana. Desta maneira, pesquisas que busquem estudar intervalos pretéritos da presença antropica devem levar em conta pesquisas como as desenvolvidas nas áreas de geomorfologia, pedologia, sedimentologia e estratigrafia que busquem estimar tais variações do meio físico ao longo do tempo. Visando discutir tais temas, convidamos os professores Astolfo Araujo (Museu de Arqueologia e Etnologia, USP) e Paulo Giannini (Instituto de Geociências, USP), para apresentarem um pouco dos trabalhos que vem desenvolvendo em áreas arqueológicas continentais e litorâneas do Brasil.

Trancos e Barrancos – o ensino de solos nos ciclos básicos da educação formal

por:

Amandha Araujo; Bárbara Gumiero; Beatriz Foleis; Diego F.T. Machado –

Nas últimas décadas, observamos a consolidação de diversas ações em prol da difusão e popularização do ensino em solos voltadas aos ciclos básicos do ensino formal, todavia, essa estrada ainda não está completamente pavimentada e seguimos firmes, aos trancos, entre os barrancos!


O solo é um importante recurso para o planeta, sendo uma mistura de minerais, material orgânico, gases, líquidos e uma diversidade de micro e macro-organismos, assim compondo a pedosfera (Tassinari et al, 2017). É um corpo natural que demora um longo período para ser formado dependendo da ação de cinco fatores específicos, sendo eles: clima, relevo, organismos, material de origem e tempo.

A pedosfera, que aloja os solos, está em comunhão com a biosfera, composta por todos os seres vivos que habitam a Terra; a litosfera que é a parte solida do planeta; a hidrosfera que contém a toda água existente e a atmosfera, composta pela fração gasosa que envolve o todo, inclusive os chamados “espaços vazios” do solo. Walter F. Molina Jr – Adaptado de UNESCO (2007).

Os obstáculos

No Brasil, atualmente, o ensino de solos é pouco trabalhado no ensino básico, se voltando principalmente para o ensino superior. O obstáculo para tornar o ensino de solos mais efetivo nos ciclos básicos passa pela adequação dos materiais didáticos e uma mudança nos métodos atuais de ensino, visando o docente e sua formação.

Os livros didáticos e apostilas utilizados no ensino dos ciclos básicos apresentam pouco conteúdo sobre solos, em sua maioria voltados para agropecuária (Sousa, 2012) além de exibirem termos que são muitas vezes complexos e/ou defasados para o entendimento dos estudantes (como terra roxa e massapê). Vale ressaltar que não se espera extinguir regionalismos ou mesmo termos antigos que ainda são usados informalmente, todavia, sua correlação com as terminologias atuais é necessária.

Adaptações para uma comunicação mais efetiva

A linguagem para o ensino dos solos ainda é muito complexa e não é própria para o ensino básico. É necessário uma readaptação do vocabulário sobre o ensino de solos, de forma a chegar-se ao entendimento por parte do aluno, sem deixar de lado os termos técnicos que especificam sobre as ordens e subordens ou sobre as características dos solos. Deve-se portanto buscar, sem deixar de lado os rigores científicos, uma comunicação mais efetiva que pode se dar via analogias, ilustrações, e e diversos elementos lúdicos, por exemplo.

Exemplo de atividade lúdica aplicado ao ensino sobre as ordens de solos de acordo com o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS) – Jogo das ordens dos solos do Brasil – Projeto Solo na Escola UFCS

A efetivação das ações passa pelo tripé Pesquisa-Ensino-Extensão

É importante que centros de pesquisa e instituições relacionadas à ciência do solo, produzam e divulguem material didático acessível às escolas. De acordo com Prates (2010), observa-se uma escassez e até ausência do conteúdo sobre solos nos livros didáticos, na qual o professor se apoia completamente como referência para as práticas de ensino. É preciso fazer adaptações importantes para os professores e escolas visando suas condições e necessidades, buscando ainda, adequar a realidade local.

Reportagem apresentada na e-Paraná TV sobre a Exposição Didática de Solos do Programa Solo na Escola/UFPR.

O mal na raiz – defasagem no processo de formação dos professores

Há uma dificuldade por parte de alguns docentes quanto ao domínio deste tema, em casos os quais os mesmos não dispunham da disciplina de pedologia em sua grade curricular e/ou não tiveram acesso a formação continuada. Outro aspecto se dá pelo distanciamento entre o teor dos conteúdos e as formas de avalição nas IES e como levar isso para as salas de aula. Essa carência de atividades didáticas faz com que os professores exerçam métodos menos eficientes, por vezes menos dinâmicos,  limitando o processo de aprendizagem dos alunos.

A complexidade na abordagem de temas relacionados à pedosfera pode representar um desafio para os professores do Ensino Fundamental, dada a dificuldade de compreensão deste meio heterogêneo e ao mesmo tempo singular, especialmente no primeiro e segundo ciclos (Lima, 2005). Porém, Falconi (2004) destaca que os professores avaliam que a limitação em transmitir e ensinar o conteúdo solo pode não ser resultado da complexidade do assunto, mas da formação do docente, acentuada pela dificuldade em entender o conteúdo expresso nos livros didáticos. 

O papel das IES para a formação continuada de professores

Existe uma falta de atualização dos professores ao conteúdo mais recente, produzido principalmente nas universidades, e que não é levado para o ensino básico. O ensino continuado oferecido pelas universidades vem como uma alternativa para o ensino do solo ocorrer de melhor forma em sala de aula. Segundo Lima (2005), é necessário que as IES (Instituições do Ensino Superior) contribuam para melhorar o ensino de solos, qualificando a formação pedológica dos futuros professores, e propor atividades que auxiliem na melhoria da capacitação dos professores para compreender e ensinar sobre solos. 

Curso SNE - Programa Ponte-Solo na Escola
O curso oferecido pelo Programa Ponte-Solo na ESALQ-USP é uma de tantas iniciativas que visam fornecer atualizações voltadas ao ensino de solos.

Um esforço para atividades mais “ativas”

A forma tradicional de ensinar, onde o professor passa o conteúdo em uma lousa e os alunos copiam, tem ficado cada vez mais desatualizado. O estudo dos solos não é apenas teórico mas também prático, pedindo que as aulas também aconteçam de forma dinâmica, como por exemplo, explorando o solo em ambientes da escola ou do bairro, e quando isso não é possível, experimentos podem cumprir este papel. De acordo com Garcia et al (2016) deve-se tratar o ensino de maneira dinâmica e integrada, com novas metodologias, deixando o ensino fragmentado de lado. É necessário novas formas de abordar o ensino, fazendo com que o aluno entenda a totalidade mesmo estudando as partes.

Algumas considerações finais…

O solo é um importante recurso natural e deve ter maior destaque no ensino dadas suas múltiplas funções ecossistêmicas. Os livros didáticos precisam de uma reformulação, sua linguagem precisa ser atualizada levando em conta um vocabulário claro e objetivo, de acordo com seu referente grau de escolaridade. O conteúdo sobre solos produzido no ensino superior também deveria se estender para o ensino fundamental. Os professores devem se ater ao fato de que o ensino dos solos também é prático, e que atividades fora da sala de aula agregam para o aprendizado do estudante e para o maior entendimento sobre a importância dos solos. As universidades, Institutos de Agronomia e Institutos de Geociências poderiam desenvolver materiais para esses ciclos, assim como cartilhas e conteúdos relacionados, também podem ser desenvolvidos pelas escolas, com capacitação dos docentes, e um ensino continuado no assunto, fazendo com que o ensino de solos seja viável e acessível a todos os estudantes no ensino básico.


Bibliografia consultada

Falconi, S. 2004. Produção de material didático para o ensino de solos. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro-SP

Garcia, P. H. M.; Cavalcante, J. A. D.; Pereira, R. S.; Balieiro, A. B. 2016. O Ensino dos Solos: A Interdisciplinaridade na Sequência Didática. Revista Ensina: As diversas metodologias do ensino. UFMS, MS. v. 1, n. 1,  p. 9. Disponível em: <https://desafioonline.ufms.br/index.php/anacptl/article/view/1909> Acesso em 20/05/2021. 

Lima, M. R. de. 2005 O Solo No Ensino De Ciências No Nível Fundamental. Ciência e Educação, v.11, n.3, p.383- 395.

Prates, R. 2010  Análise das abordagens e discussões do conteúdo de pedologia nos livros didáticos de Geografia. Dissertação de Mestrado. Instituto de Agronomia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ. 85 p.

Sousa, H. F. T.; Matos, F. S. jul./ dez. 2012. O Ensino dos Solos no Ensino Médio: Desafios e Possibilidades na Perspectiva dos Docentes. GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais,, Fortaleza, v. 3, n. 6, p. 71-78

Tassinari, D. ; Silva, S. H. G. ; Silva, E. ; Silva, E. A. ; Silva, B. M. 2017. Conhecendo a vida do solo: Volume 1. Editora UFLA, Minas Gerais. 32 p.

Molina Junior, Walter Francisco. Comportamento mecânico do solo em operações agrícolas [recurso
eletrônico] / Walter Francisco Molina Junior. – – Piracicaba : ESALQ/USP, 2017. 223 p. : il


Saiba mais

Experimentoteca de solos – Solos na Escola UFPR

Iniciativas de educação em Solos no Brasil – SBCS

Implantação de iniciativas em educação em solos – UFPR

Cinco cartilha para apoio didático no ensino sobre solos

Materiais didáticos – Projeto Solos na Escola – UFCG


Autoria: Amandha Araujo; Bárbara Gumiero; Beatriz Foleis; Diego F.T. Machado

Edição: Diego F. T. Machado

Este artigo foi realizado como parte das atividades previstas no projeto “Criação de uma Coleção de Macromonolitos de solos para o Instituto de Geociências da Unicamp” vinculadas ao programa Pibic Ensino Médio, coordenado pelo prof. Francisco S.B. Ladeira.


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